Os Ossos do Imperador – 2 – O Boi de Piranha e a Mulher

Leia o começo da história antes!

III – O boi de piranha

Depois de examinar todo o conteúdo daquele envelope, fiquei me perguntando: por que uma arma? A tal missão se restringia aos serviços de motorista, além disso, naquele quartel os soldados raramente usavam armas, só em treinamentos ou quando ficávamos de guarda no quartel.

Não achei resposta e me dediquei em rever todos os detalhes da “missão” até que o sargento retornou e, antes que eu perguntasse qualquer coisa, disse:

— Já sei, quer saber da arma, ela estará no porta-luvas do carro, carregada e travada. É uma pistola igual àquela do treinamento. Você se lembra do treinamento, não? Mas, não se esqueça que só deve ser usada em último caso. Não precisa examinar a arma, ela é nova e foi devidamente testada. Lembre-se da ordem: só a use em caso de extrema necessidade, mas, se precisar, não se esqueça de destravá-la.

Ficamos parados os dois, cada um com seus pensamentos até que ele falou:

— Vamos, soldado, sei que quer perguntar alguma coisa, “desembuche”?

“Mil’ coisas passavam pela minha cabeça, então, pensativo, respondi:

— Sargento, os detalhes da arma são importantes, mas o que eu quero saber mesmo é por que tudo isso? O sigilo, a arma, enfim, por que toda essa operação de guerra? Afinal serei só um motorista transportando o comandante e sua esposa para ver “Os Ossos do Imperador”.

Ele ficou parado me olhando como se estivesse me medindo, até que falou:

— Bem, não era pra eu te contar, mas é inteligente e já percebeu que não é só a questão dos “Ossos do Imperador”. Justamente por isso acho que merece saber, mas vou alertá-lo novamente, para o seu próprio bem, nunca comente isto com ninguém.

Em seguida me explicou que o tenente coronel Amador, nosso comandante, em anos anteriores teria participado da repressão aos “terroristas” contrários à revolução militar e agora vinha recebendo ameaças de morte, e o que mais preocupava é que os tais “terroristas” sabiam até que ele tinha sido convidado para o casamento da Maria do Carmo e que iria participar das comemorações do “sepultamento” dos restos mortais de D. Pedro I.

— Pois então – continuou ele – o comandante não quis “abrir mão” de participar desses eventos e, para não “chamar a atenção”, determinou a indicação de um soldado do quartel para levá-lo, com escolta de profissionais à distância.

Essa era a versão oficial, só que o indicado foi o idiota aqui.

(Pra quem não sabe, nas solenidades do sesquicentenário da independência, fazia parte o “sepultamento” definitivo do corpo do Imperador no mausoléu do Museu do Ipiranga, que ocorreria às 16h, do dia 6.9.1972, com a presença do presidente Médici, do governador Laudo Natel, do prefeito Figueiredo Ferraz e até do primeiro-ministro português Marcello Caetano. O corpo do Imperador saiu de Portugal e chegou ao Brasil meses antes, mas passou por várias cidades antes do sepultamento definitivo no mausoléu do Museu do Ipiranga).

Se eu já estava preocupado, agora estava apavorado, e ele percebeu isso, dizendo:

— Não se preocupe, soldado, você terá toda a cobertura necessária.

Pensei um pouco, criei coragem e falei:

— Não sou idiota, isso é uma “isca”, não é mesmo? Não dá pra indicar outra pessoa?

Ele ficou mais sério e respondeu que era tarde demais para isso, acrescentando:

— É pra isto que servem os soldados: pra ariscar a vida pelos outros!

Ficamos calados novamente, um olhando para o outro enquanto eu pensava: diacho! Sou um soldado e tenho que enfrentar a situação, senão como ficarei com todos se fraquejar agora? Então eu lhe falei:

— Está bem, sargento, farei o melhor que puder, mas o senhor sabe que estão me fazendo de “boi de piranha”!

(o termo “boi de piranha” vem daquela lenda que dizia que os vaqueiros, quando iam atravessar a boiada em um rio infestado de piranhas, jogavam um boi velho para atrair as piranhas e atravessavam a boiada em outro lugar do rio em segurança).

Ele levantou-se, olhou-me diretamente nos olhos e falou:

— Vá descansar, amanhã será um longo dia e, concentre-se em cumprir com o seu dever. Em seguida fez continência, dizendo:

— Boa sorte, soldado!

IV – Uma linda mulher

Naquela noite quase não dormi e pela manhã, antes das 6h30min, já estava na tal garagem e, assim que cheguei ao portão, o tal Argemiro apareceu, se apresentou, olhou para um lado e depois para o outro da rua, dizendo:

— Você é pontual. Entra logo.

Assim que entramos percebi que havia mais dois homens ali, ambos armados, só observando. Ele tirou do bolso uma chave e, enquanto me entregava, disse:

— O carro é aquele ali, vá pegá-lo que eu abro o portão.

Eu olhei para o carro e vi um opala vermelho de quatro portas, novinho em folha, brilhava tanto que dava para se espelhar nele. Foi então que perguntei:

— E os documentos do carro? Ele deu um sorriso meio contido, respondendo:

— No porta-luvas, mas você não vai precisar deles, deixe-os lá.

Subi no carro, abri o porta-luvas e, como o sargento dissera, lá estava o inconfundível cinturão do exército com a pistola dentro, além de alguns papéis que nem examinei. Peguei aquele cinturão, coloquei-o na cintura e comecei a observar os comandos do carro, pois, até então, só tinha dirigido veículos mais velhos e “pesados”, mas logo percebi que não haveria grandes dificuldades, coloquei o carro em marcha e o tal Argemiro já estava abrindo o portão. Assim que passei por ele, falou-me:

— Olho vivo. Boa sorte!

Não sei se era algo premeditado, mas a casa do comandante era perto da tal garagem. Estacionei o carro bem em frente e antes de descer lembrei-me da recomendação do Argemiro para ficar de “olho vivo”. Assim, comecei a observar a rua e não se via “viva alma”, carros, pessoas, nada, apenas as árvores que balançavam ao vento. Não pude deixar de perceber como o lugar era bonito, as casas todas com ótimas aparências e bem cuidadas, a rua toda arborizada, a calçada limpa e bem conservada. Então fiquei pensando: esse comandante deve ‘ganhar’ muito para viver num lugar assim.

Bem, desci do carro, sempre observando aqui e ali e dirigi-me ao portão da casa, ia tocar a campainha quando o portão, totalmente fechado e sem qualquer visão do seu interior, abriu-se por dentro e lá estava um homem, com característica de militar, mas vestido à paisana (sem uniforme). O tal, com cara de poucos amigos, não me cumprimentou e, de forma grosseira, disse:

— Entra logo, não temos o dia inteiro.

Entrei e não pude deixar de notar o belo jardim da casa, com muitas plantas floridas de vários tipos e com um caminho entre elas que dava para a porta principal e, não sei por que, lembrei-me da minha mãe, quando morávamos no campo, ela tinha um jardim bem parecido…

Bem, segui em direção à porta, olhei para trás e o homem, com o portão entreaberto, ficou espiando a rua.bonequinha

Assim que cheguei à porta, ela também se abriu por dentro e, ali, havia outro homem, nas mesmas características do anterior e até com a mesma cara de poucos amigos, ele não disse nada, limitou-se a fazer um aceno para o outro do portão e fechar a porta assim que entrei.

Fiquei ali parado esperando acontecer alguma coisa até que entra uma mulher lindíssima, magra, vestida maravilhosamente e, apesar do olhar um pouco triste, sorriu para mim, dizendo:

— Você é que vai nos levar? Quer tomar um café?

Por um momento eu nada respondi, pois estava paralisado. Ela logo me lembrou aquela artista do filme “Bonequinha de Luxo”, com um nome complicado, que, se não me engano, chamava Audrey [Hepburn] ou qualquer coisa parecida. Imediatamente lembrei-me da charge do Campelo, pensando: Campelo, essa é aquela mulher gorda, brava e feia que você desenhou?

Bem, “voltei a si”, agradeci a gentileza dela e disse que já tinha tomado café. Ela então completou:

— Muito bem, aguarde um pouco que o Amador já vem, vamos sair logo em seguida.

Os Ossos do Imperador:

Escrito por Darci Men e baseado em fatos reais, alguns nomes foram alterados para preservar suas identidades.

Não deixe de ler OS ATENTADOS, o próximo capítulo da história!

8 comentários em “Os Ossos do Imperador – 2 – O Boi de Piranha e a Mulher”

    • Sim. minha autoria, e, por5 incrível que pareça, tudo real. Não perca o próximo episódio, é bem emocionante, alé, de ter alguns dados histórisocos.
      Abraço. Darci

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