A Divina Proporção

Dia desses estava baixando alguns aplicativos em meu computador quando, de repente, como que saindo do nada, na tela apareceu uma lacônica mensagem: erro 1618.

Depois de xingar quem fez isso, já que não entendia porque tão lacônico e indecifrável recado, além da “frieza” com os pobres usuários, fiquei pensando:

Porque não colocam logo qual é o problema, ao invés do lacônico “erro 1.618”?

Depois que passou a raiva, tentei descobrir o que fazer, mas aquele número não me saia da cabeça. Pensei:

Eu já tinha visto isso em algum lugar, mas não me lembrava onde!

Depois de várias tentativas sem sucesso e, sem outra opção, abri um site de pesquisa e alguém que já tinha passado por isso, me esclareceu:

Aleluia! Era algo tão bobo e simples que me deixou mais irritado ainda. Logo soltei mais alguns “palavrões”, que não vou citar aqui em respeito ao leitor.

(Esse erro é quando o Windows Installer tenta instalar mais de um programa de uma só vez. Só isso!).

Foi então que, por acaso, descobri também porque esse número não me era estranho e fiquei me perguntando: como não me lembrei disso antes?

Esse número é muito famoso entre os matemáticos, mais conhecido como a proporção divina.

Pois é, ele normalmente é representado arredondado (1,618), às vezes com outro nomes, tais como: proporção áurea, número de ouro, razão áurea, a sequência de Fibonacci,  entre outros.

Com tudo isso, acabei lembrando de alguém que, em minha opinião, era uma das mentes mais brilhantes que já conheci: o professor Cardoso.

Ele era professor de matemática, mas não se contentava em ensinar só a sua matéria, tudo deveria ter uma explicação mais detalhada, ou seja: o porquê das coisas.

Cardoso, apesar do nome Português, era descendente de japoneses e, a exemplo da maioria dos nisseis, era do tipo caladão, mas quando começava a falar todos prestavam atenção, pois sua brilhante sabedoria era notória e extrapolava os muros daquela escola.

Ele era relaxado com suas roupas e aparência pessoal: cabelos desalinhados, sempre com uma calça de jeans “surrada” e uma camiseta de algodão já desbotada pelo tempo. Usava sapatos de couro que há muito tempo pedia uma engraxada e a sua cinta estava tão velha que dava sinais de romper-se a qualquer momento.

Lembro-me bem de sua forma de entrar na sala de aula, pois ele nunca dizia “bom dia” ou “boa noite”, limitava-se a fazer um breve aceno com a mão. O gozado nisso tudo, é que todos respondiam da mesma forma, como que saudando um grande herói que entrava.

Sua conduta era sempre a mesma e começava com ele circulando a sala de aula, de um lado para outro, em absoluto silencio, com as mãos cruzadas atrás, bem ao estilo de Napoleão Bonaparte. Seus passos eram bem largos e firmes, onde o “toc-toc” dos saltos de couro dos seus sapatos ecoava como um alerta ou para avisar a todos: a aula vai começar!

Certa vez estávamos estudando álgebra e uma aluna comentou:

— Professor eu detesto matemática, se eu descobrisse qual homem a inventou eu…

O professor Cardoso parou imediatamente o que estava fazendo, foi até a cadeira da aluna e, ora olhando para ela, ora olhando para os demais alunos, começou uma das aulas mais interessantes que eu tive a oportunidade de assistir.

Foi naquele dia que eu comecei a entender o porquê da matemática e não simplesmente a decorar fórmulas.

Vou tentar reproduzir àquela aula, porque, como já disse, foi uma das mais interessantes que já tive.

O professor Cardoso gostava de fazer aquele suspense antes de falar e, sem desviar o olhar da aluna, ficou sem dizer nada por um bom tempo, com aqueles seus olhos “puxados”, mas penetrantes, deixando a pobre coitada toda “desconsertada”. Ela deve ter se perguntado: o que eu fiz de errado? Até que ele, falando auto para que toda a classe ouvisse, perguntou-lhe:

— Quem foi que lhe disse que foi o homem que inventou a matemática?

E já dando a resposta, continuou:

O Homem só inventou os símbolos para poder entender a matemática! A matemática foi inventada pela natureza e está em tudo ao seu redor, inclusive em você mesma!

Em seguida, o professor voltou ao seu magistral silencio, provavelmente para que todos refletissem sobre o que ele acabara de falar. Só se ouvia o toc-toc de seus sapatos enquanto ele circulava pela sala, ora olhando fixamente para um, ora para outro, até que voltou a falar:

— Nós, que vivemos no mundo moderno, somos “bichos de cidade”, praticamente não interagimos com a natureza, mas nem sempre foi assim: antigamente essa interação era quase completa e foi observando a natureza que o homem começou a perceber a necessidade de entender a matemática.

Após mais uma pequena pausa, ele continuou:

— Vejam, por exemplo, a chamada Divina Proporção ou Proporção Áurea, cuja abreviatura é PHI (não confundam com PI, que é outra coisa). PHI — continuou ele — tem essa abreviatura em homenagem ao escultor e construtor Phideas ou Fídeas, que usou estas proporções no famoso Parthenon Grego. Essa proporção é representada, matematicamente, pelo número 1,618 (arredondado, já que é um número irracional). Esse número, em um retângulo, por exemplo, é o resultado da divisão do lado maior pelo menor. Esta proporção não é chamada de “Divina” por acaso, — continuou ele — ela está presente em inúmeras criações da natureza, desde uma simples concha marítima (náutilos), numa copa de uma árvore, nos frutos dela (pinha, girassol…), nas ondas do oceano, nos átomos, no DNA, na refração da luz, nas vibrações sonoras, nos furacões, nas esperais das galáxias, na população das abelhas de uma colmeia, no corpo humano e em tantas outras.

— Assim, – continuou – a humanidade usa essa proporção como sinônimo de beleza e de perfeição e, copiando a natureza, a utiliza em inúmeras aplicações, tais como: na arquitetura (Parthenon, Pirâmides do Egito, Edifício nas Nações Unidas, Igrejas, etc.), na pintura (Mona Lisa, Santa Ceia…), na música (quinta sinfonia de Beethoven…), na literatura (Eneida, de Vergílio, Os Lusíadas, de Camões…) e tantos outras. Até o seu cartão do Banco, usa essas proporções!

Depois de mais um de seus magistrais silêncios e tantos outros “toc-toc” dos seus saltos, ele continuou:

— Os “pensadores” da antiguidade começaram a criar símbolos para poder entender e registrar tudo isso, ou seja: desde a simples quantidade de ovelhas, como as distâncias, o valor de algo, mas, principalmente, as proporções da natureza. Pitágoras, por exemplo, descobriu que um dos mais antigos símbolos da humanidade, “o Pentagrama”, era uma proporção divina. Na ocasião ele descobriu muito mais e teria afirmado: “tudo é número, pois a natureza segue padrões matemáticos”. Outro exemplo que merece registro é “o Homem Vitruviano”, de Leonardo da Vinci (tem esse nome em homenagem ao arquiteto romano Marco Vitruvio), onde, Da Vinci mostra a Divina Proporção no corpo humano. Outro famoso matemático, Galileu Galilei, teria afirmado: a matemática é o alfabeto no qual Deus escreveu o universo.

O professor Cardoso esperou algum tempo, como que aguardando alguma pergunta, mas, todos naquela sala de aula estavam em absoluto silêncio. Ele então continuou:

— Já Leonardo de Pisa, mais conhecido como Fibonacci, usou um dos mais elementares dons da natureza, que é a procriação, para ilustrar sua tese da sequência matemática. Ele mostrou em seu livro Liber Abaci, publicado em 1.202, a proporção divina na criação de coelhos: é sabido que um coelho é capaz de procriar no segundo mês de vida. Assim, Fibonacci mostrou que no primeiro mês temos um casal de coelhos, no segundo mês teremos dois casais de coelhos, no terceiro mês três casais de coelhos, no quarto mês cinco casais de coelhos, no quinto mês oito casais de coelhos e assim sucessivamente, ou seja: a quantidade do mês seguinte, será sempre a soma dos dois números anterior: 0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13… Essa sequência — continuou — ficou mundialmente conhecida como “a Sequência de Fibonacci” e é utilizada até hoje no mercado financeiro, na ciência da computação, em teoria de jogos, configurações biológicas e tantas outras aplicações.

— Já o Monge Franciscano Lucas de Paccioli, por sua vez, conhecido como o pai da contabilidade moderna, publicou em 1.494 um livro, onde em um capítulo está a parte que o deixou famoso, o Tratactus de computies et scripturis (contabilidade de dupla entrada ou método das partidas dobradas). Este esquema é a base da contabilidade utilizada até hoje. Ele prevê, em linguagem bem simplista, que nada se extingue (um bem, um valor, etc.), mas apenas muda de lugar ou de forma, ou seja: o princípio de débito e do crédito, do ativo e do passivo e assim sucessivamente (sai de um lugar e entra em outro).

— Mas, vocês devem estar se perguntando: o que tem a ver, a contabilidade e a matemática com a Proporção Divina? Tem tudo a ver! — disse ele, enquanto olhava para um e para outro na sala — Se qualquer um de vocês examinarem um balanço ou balancete qualquer, vai notar que o total do débito é sempre igual ao do crédito. E sabem por quê? Porque também foi copiado da natureza! Vou explicar melhor:

— Existem registros históricos da utilização desse esquema desde os antigos Fenícios e Egípcios e, pasmem, também foi copiado da natureza, ora, é só observar com mais atenção: na natureza nada se extingue, apenas muda de forma ou de lugar: uma semente se transforma em uma árvore, quando ela morre se transforma em alimento para outra planta. O mesmo acontece com a água do mar que evapora até as nuvens, cai em forma de chuva, filtra na terra até os rios e volta para o mar e assim por diante. Sai de um lugar e entra em outro, às vezes modificado, mas nunca extinto.

O Professor fez mais uma de suas pausas e, quando todos achavam que tinha terminado, ele voltou “com tudo”:

— Não acabou não! Tem mais. Muito mais! É preciso entender o “fundamento” disso tudo e tanto Fibonacci quanto Paccioli, dois ícones da matemática, devem grande parte de seus conhecimentos a um pensador das “arábias”:

— Na verdade, essa pessoa do qual estou falando não era árabe, pois nasceu por volta de 750 d. C., em Khawarizm (Khiva), atual Ubesquistão, mas ficou famoso quando era membro de uma entidade persa chamada Casa da Sabedoria. Seu nome completo era: (respirem fundo) Muhammad Abu Abdallan Ibn Musa Al Khawarismi (ufa!). Ele foi matemático, astrônomo, astrólogo, geógrafo, escritor e tantas outras coisas mais. Para saber melhor de quem estamos falando, ele ficou conhecido como o fundador da álgebra, aliás, o nome álgebra vem de al-jabr, uma de suas operações utilizada para resolver equações quadráticas. O próprio nome do algoritmo vem de algoritmi, uma espécie de apelido latino do dito cujo (também com um nome desses!), sem contar que o próprio termo algarismo também vem desse “apelido”. Pois é, o “dito cujo”, cuja sabedoria inspirou tantos outros homens ilustres, baseava suas pesquisas no comportamento da natureza

Então, para encerrar a sua aula o professor, completou:

— Pois é pessoal. Depois de tudo isso que eu lhes falei, ao invés de dizer que o homem inventou a matemática, fica mais correto dizer que a matemática inventou o homem!

Agora eu, depois de dizer tudo sobre a “Divina Proporção” e mais um pouco, só tenho que agradecer ao professor Cardoso e falar igual as minhas netinhas: “valeu pro”.

Mas ainda não passou a raiva daquele programador!

Que a Paz esteja com todos.

Darci Men

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