Dirac

Dirac debruçava-se sobre seu caderno, e rabiscava “oks” nos itens que havia concluído no corrido dia de trabalho, dia que foi além da normal da correria de suas funções, já que fora promovido a conselheiro sênior, quando o quadro de mensagens piscou.

“Abrir mensagem”. Falou, e leu:

“Oi, percebi… + amanhã a gente conversa então… mal que não atendi sua ligação, tava no fone… Tô melhor sim! Bjao até amanhã”

Seu aparelho de voz estava danificado, aparentemente, por causa dos dias de borrasca que enchiam os conduítes de sua residência com a água escura que vinha dos céus e interferiam nos sistemas elétricos em geral, portanto, não conseguiria ligar para ela novamente, apenas escrever.

A mensagem era uma resposta da Princesa ao recado que ele enviara a alguns minutos, e era evidente que ela tentara entrar em contato com Dirac, que ficou puto com o defeito em seu aparelho…

Queria falar com ela, achava até em determinados momentos, que precisava. Entretanto sentiu-se reconfortado por saber que ela lembrava dele e que em breve iriam se encontrar.

Voltou ao trabalho, mas não conseguia mais se concentrar. A imagem, o aroma, os sons e o toque da Princesa vinham a cada instante invadir seus pensamentos, a irradiar uma sequência meio desconexa de lembranças remixadas com trechos de futuros prováveis e devaneios novos e antigos.

Lembrou-se, por exemplo, enquanto tentava decidir se um dos itens da sua lista ele mesmo tomaria conta ou delegaria a um subordinado, de a estar ensinando sobre os níveis de abstração necessários para se compreender um determinado subsistema comercial, e a falta de concentração que a presença da garota lhe causava… Cada som que vinha de seus lábios (junto com seus movimentos), cada vez que seus braços se encostavam, quando sentia o perfume de seus cabelos, se perdia mais e mais.

E a porta se abre, e por ela entra o Rei, a se queixar da incompetência de seus súditos, nervoso com seus escravos, se queixando de tudo e de todos… E Dirac a escutar as lamúrias do velho, mas como se estivesse enfeitiçado, não conseguia fazer com que seus olhos não se voltassem para o rosto da Princesa.

Hoje ele fora alertado pela financista chefe do reinado sobre a possibilidade de a Princesa estar interessado nele. E ouviu passivamente sobre os riscos, não só para sua carreira, mas também para sua integridade física, e um caso onde um rapaz que, ao cortejar a Princesa, desapareceu misteriosamente quando o Rei descobriu que havia algum envolvimento entre eles.

Concordou com a velha, dizendo que tomaria cuidado e que ela não se preocupar com isso, já que ele não era mais moleque, e saberia perfeitamente contornar a situação sem, obviamente, ferir os frágeis sentimentos da Princesa.

Uma mentira parcial. Sabia se virar e não intencionava magoar a Princesa, é claro… Sua mente, embora meio confusa ultimamente, sabia muito bem lidar com certos tipos de situação, e era mestre na arte da dissimulação… Disse apenas o necessário para que a velha ficasse calada.

O maior problema é que sabia que queria estar com ela… Queria como nunca antes quis alguém… A situação estava além do seu campo de compreensão… Mesmo distante dela, sentia seu cheiro, imaginava seu sabor, se pegava divagando sobre o seu abraço, acordou algumas vezes como se procurando por alguém, e esse alguém era a Princesa.

Sabia que queria estar com ela e sabia das impossibilidades disso acontecer. O Rei jamais aceitaria que um subordinado seu se envolvesse com sua filha… Mas o envolvimento já havia começado, e agora tinha medo de perdê-la.

E a noite passava. O barulho da chuva era agora menos forte, ele tinha ainda um relatório a concluir, colocou uma sequência de músicas animadamente pesadas e barulhentas. Abriu uma garrafa da vodca barata que comprou a caminho de casa, colocou uma generosa dose em um copo de metal, e o entornou goela abaixo, e enquanto seus nervos se acalmavam, fechou os olhos, lembrando do sorriso da Princesa por mais alguns instantes, para em seguida retornar ao trabalho.

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