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Crônicas - Cachorro Solitário

Categoria: Crônicas

  • O Medo do Medo

    O Medo do Medo

    Acordei em uma madrugada fria e, enquanto esperava o sono voltar, fiquei olhando para o velho ventilador de teto.

    Como o meu quarto nunca fica totalmente às escuras, lá estava ele, estático, mas com sua figura imponente que refletia a luz do display do relógio digital, formando lindas figuras surreais.

    Nestas ocasiões, eu costumo ficar relacionando essas figuras com coisas do cotidiano, mas hoje, ao contrário de outros dias, fiquei imaginando quem foi o designer que projetou aquele antigo, mas charmoso aparelho, com as suas pás imensas, desenhadas com detalhes na cor ouro, com o seu majestoso corpo magistralmente perfurado e o seu antigo sistema de liga/desliga  através de uma pequena cordinha com um pêndulo em sua ponta: uma puxadinha e ele liga na primeira velocidade, duas puxadinhas, a segunda e assim sucessivamente até chegar na fase de desligar (o gozado é que você nunca sabe quando vai chegar no “desligar”) e…. espere um pouco: pêndulo? Foi somente aí que notei que ele estava balançando levemente. Então perguntei a mim mesmo:

    Por que aquele pêndulo estava balançando? Eis a questão!

    Ninguém tinha tocado nele e não foi o vento, pois a janela estava totalmente fechada, então, por que o danado estava balançando? Estaria ocorrendo um terremoto ou seria uma “alma penada” rondando por aí?

    Logo descartei a primeira hipótese e foi o suficiente para eu me “arrepiar” todo. Levantei-me, segurei-o até ficar totalmente parado, deitei-me novamente e, olhando-o, meio de lado, constatei, agora já meio no desespero, que o danado continuava a balançar.

    E aí, fazer o quê? Claro, tive de me levantar e, naquela noite, não voltei mais para aquela cama…

    Então, ficaram duas perguntas: o que aconteceu?  Por que eu senti medo de algo tão banal?

    É sabido, e até muito comum, que tem certas pessoas com fobia (medo) de algumas situações, tais como: a claustrofobia, que é o medo de locais fechados, a agorafobia que é o medo de local público de difícil saída, e tem até o fobofobia, que é o medo intenso de ter medo, além de dezenas de outras fobias do gênero catalogadas.

    A nova pergunta é: por que temos medo, ele é ruim?

    Claro que não! Apesar de associado a algo ruim, o medo é essencial para nós, desde que não seja excessivo, isto é, o ideal é uma dose de medo, junto com outra de ousadia. Mas, temos de ter cuidado, pois o excesso de prudência ou medo pode ser prejudicial. Shakespeare disse certa vez: “nossas dúvidas são traiçoeiras e nos fazem perder o que, com frequência, poderíamos ganhar, por simples medo de errar”.

    Por outro lado, nós, os seres humanos, assim como muitas espécies de animais, sobrevivemos porque temos medo. É ele que guia o nosso instinto de sobrevivência, fazendo-nos agir ou reagir em uma ameaça real ou imaginária: “é melhor confundir um pedaço de pau com uma cobra, do que o contrário!”.

    Medo do imaginário, ilusão de ótica ou qualquer outro fator, da próxima vez que eu for dormir e aquele pendulo balançar, charmoso ou não, vou botar fora aquele ventilador.

    Que a paz esteja com todos.

    Darci Men.

  • O Paraíso de Maomé

    O Paraíso de Maomé

    (Aviso: este é um texto longo, mas sua leitura vale a pena).

    Dizem que a história em algum momento se repete. Contudo, esta que vou lhes contar dificilmente voltará a acontecer.

    Ela ocorreu em meados do século XVI e envolveu mulheres notáveis, em uma época em que elas raramente recebiam reconhecimento. Além disso, ela também aborda assuntos pouco gloriosos, o que explica por que foi minimizada ou apagada dos registros oficiais.

    Pois bem, vamos aos fatos:

    Em 1494, com o Tratado de Tordesilhas, o “Novo Mundo” foi dividido entre Portugal e Espanha. Seguiu-se uma acirrada disputa entre as duas potências europeias pela exploração e colonização do continente americano.

    Na década de 1520 essa exploração ainda era muito modesta. Portugal priorizava as Índias Orientais e a Espanha, endividada, tinha poucos recursos. Mesmo assim, entre os poucos exploradores que a Espanha enviou, dois deles “tiraram a sorte grande”: Hernán Cortês conquistou o riquíssimo território do México e dos Astecas (1521) e Francisco Pizarro o não menos rico território do Peru e dos Incas (1532).

    Com isso, Portugal ficou de “olho gordo” na chamada Bacia do Rio da Prata, região majoritariamente espanhola, mas tornou-se importante para ambas as coroas, porque todos supunham ser lá um novo “Eldorado”.

    Portugal tentou aqui e ali chegar a essas riquezas, mas “deu com os burros n’água”. Em contrapartida, em 1535, o rei espanhol Carlos I (que também era Carlos V do Sacro Império Germânico Romano), autorizou uma enorme expedição para o Rio da Prata, com 14 navios e mais de 1500 homens, nomeando o Pedro de Mendoza como o primeiro governador (Adelantado, como  era chamado por lá).

    No entanto, embora Pedro de Mendoza tenha colocado o seu nome na história, como o primeiro fundador da cidade de Buenos Aires, em 1536, (a cidade foi “refundada” mais tarde, em 1580), fracassou vergonhosamente em sua missão! Desolado e gravemente enfermo, tentou voltar para a Espanha, mas morreu em 23/06/1537, no meio do caminho, em pleno mar aberto.

    Quase quatro anos depois, em 1541, o mesmo rei designou um novo governador para a região. Desta vez o escolhido foi Álvar Nunes Cabeza de Vaca (um veterano explorador que esteve em 1527, onde é hoje o Texas, nos EUA. Ele, mais tarde, também ficaria conhecido como o primeiro europeu a descobrir as Cataratas do Iguaçu). Mas ele também falhou feio, aliás, voltou para a Espanha destituído do cargo e aprisionado.

    A pergunta é: por que ambos fracassaram ao governar o Rio da Prata?

    Existiram vários motivos, mas o principal deles, por incrível que possa parecer, chamava-se soberba. Ninguém sobrevive em uma terra selvagem sem alimento, especialmente para um contingente de mais de 1.500 pessoas. Na chamada Bacia do Prata, existia muito alimento, mas ele precisava ser pescado, plantado, colhido etc., e os expedicionários espanhóis, em sua grande maioria homens nobres e soldados, se recusavam a fazer trabalhos braçais.

    Eles, então, foram buscar alimentos com os índios, mas estes não conheciam o dinheiro e, a princípio, trocavam alimentos por qualquer bugiganga, no entanto, com o passar do tempo, recusavam-se a fazer novas trocas e isso acontecia principalmente, porque os índios não tinham o costume de estocar alimentos. Para complicar ainda mais, os índios eram maltratados pelos espanhóis, inclusive com vários conflitos bélicos, matanças etc., além disso, os homens indígenas também não gostavam dos trabalhos braçais, quem cuidava das roças de alimentos eram as mulheres indígenas.

    Resultado: a fome tomou conta dos espanhóis (há quem afirme que no forte de Buenos Aires, eles chegaram a comer qualquer coisa, até carne humana). Foi então que o capitão Domingos Martinez de Irala, na época governador interino, decidiu abandonar Buenos Aires e mudar a sede do governo do Rio da Prata para a cidade de Assunção (atual capital do Paraguai).  

    Em Assunção foi mais fácil se obter alimentos, mas o problema do trabalho braçal persistiu e a alternativa foi conseguir mulheres indígenas para realizar essa tarefa. Foi aí que surgiram as chamadas “rancheadas” (ilegais e brutais capturas de mulheres indígenas), aparecendo também a figura dos “encomenderos” (pessoas encarregadas de fazer trocas de objetos diversos por mulheres indígenas). Os espanhóis chamavam essas indígenas de criadas. Elas, além de fazerem os trabalhos nas roças e nas casas, eram também usadas como “concubinas”. Alguns nobres chegaram a ter mais de 100 delas.

    Em 1541, o governador interino Domingos Martinez de Irala, escreveu ao monarca espanhol: (um trecho da carta em tradução livre para melhor entendimento)

    Primeiramente, vossa majestade e todos que tomarem conhecimento desta, hão de saber que no Paraguai está fundado e povoado um vilarejo (Pueblo) onde se encontram cerca de 400 homens, ao menos em paz. Eles tem como vassalos os índios Guaranis ou Cários, que vivem 30 léguas ao redor do porto e que vieram aos cristãos em paz, com suas mulheres, as quais realizam todos os serviços necessários. Eles cederam para o serviço dos cristãos, 700 mulheres para que sirvam em suas casas e roças”.

    Incrível, não? Não demorou muito e o local ficou conhecido como o Paraíso de Maomé (uma alusão ao harém das 71 virgens, previstas no Alcorão dos muçulmanos).

    No entanto, se por um lado havia se resolvido o problema da alimentação, por outro lado a coisa complicou: as disputas por mulheres indígenas, aliado à política por cargos, transformou o local num campo de batalha e as desavenças entre nobres ou chefes militares eram constantes; além disso, a população de mestiços aumentava exponencialmente e era preciso fazer alguma coisa a respeito.

    Assim, em 1547, a coroa espanhola decidiu enviar um novo governador para o Rio da Prata, mas, desta vez, a expedição seria diferente das anteriores: em vez de apenas nobres e soldados, esta teria, principalmente, mulheres fidalgas solteiras e virgens, com o objetivo de casá-las com os expedicionários que já estavam em Assunção.

    O escolhido para essa nova missão foi um nobre da cidade de Medellín, na Estremadura espanhola, chamado Juan de Sanabria. (há quem afirme que ele participou da expedição de Pedro de Mendoza, mas isto não ficou provado).

    Ele iniciou imediatamente os preparativos, mas naquela época, esse tipo de viagem custava muito caro e ele teve de vender quase todos os seus bens. Por outro lado, ele não teve muitas dificuldades para conseguir as “virgens” e os voluntários para a viagem, pois, como já foi dito, naquela ocasião corria de boca em boca que o Rio da Prata seria tão rico quanto aqueles encontrados por Hernán Cortês e Francisco Pizarro. Além disso, era uma ocasião financeiramente ruim para os espanhóis, pois, apesar das riquezas encontradas no novo mundo, o reino espanhol estava “quebrado” e muitas famílias nobres estavam arruinadas. Por isso, uma donzela conseguir um bom casamento nobre sem ter de pagar o dote era um grande negócio, mesmo que esse nobre estivesse no Novo Mundo.

    Mas nem tudo foi fácil; aliás, a partir de então, nada mais foi fácil nessa expedição.

    Para começar, em meados de 1549, antes que os preparativos para a viagem estivessem prontos, Juan de Sanabria teve uma doença grave e morreu. Era quase certa a ruína da família Sanabria, pois eles tinham investido quase tudo naquele empreendimento e a coroa espanhola já pensava em designar um novo governador. Mas eis que entra em cena a jovem viúva de Sanabria, Dona Mencia Calderón Ocampo, então com cerca de 34 anos.

    Ela conseguiu convencer o rei a manter o governo do Rio da Prata na família: o título de governador foi transferido para o seu enteado Diogo de Sanabria, e ela ficou como tutora legal dele, já que Diogo, que era filho da primeira mulher de Juan Sanabria, tinha apenas 17 anos. Portanto, mesmo que indiretamente, ela passou a ser a governadora do Rio da Prata.

    E ela conseguiu ainda mais: como os preparativos ainda não estavam totalmente prontos, conseguiu autorização para partir com apenas metade da expedição e a outra metade partiria mais tarde. (não sei se é coincidência ou não, mas a Dona Mencia era parente tanto do Hernán Cortês, quanto do Francisco Pizarro).

    Assim foi feito e, em 10/04/1550, eles partiram com três navios e pouco mais de 300 pessoas a bordo, a maioria mulheres.

    Se viajar naqueles barcos à vela era difícil para marinheiros acostumados ao mar, imagine para mulheres que, em sua maioria, nunca tinham entrado em um deles. O resultado não poderia ser outro e foi um verdadeiro suplício, até porque a pressa em fazer a viagem cobrou o seu preço, pois a ocasião não era propícia para esse tipo de viagem. Além disso, a sorte não estava do lado deles.

    Em meados de junho de 1550, depois da passagem pelas Ilhas Canárias, caiu uma forte tempestade e o barco em que estavam Dona Mencia, suas três filhas e aproximadamente 80 donzelas ficou bastante danificado e se perdeu dos outros, indo parar no Golfo da Guiné, na costa africana. Ali o barco foi atacado por piratas normandos (franceses).

    Com a maioria de mulheres a bordo, eles não podiam se defender dos piratas e com isso, estava anunciado o fim de tudo, pois todas aquelas mulheres seriam violentadas e vendidas como escravas, mas a determinação de Dona Mencia mais uma vez foi decisiva:

    Ela determinou que se colocasse todos os barris de pólvora no convés e mantivesse uma tocha acesa perto deles, fazendo saber aos piratas que ela concordava em entregar tudo de valor que tinha no navio, desde que as mulheres fossem respeitadas e ela pudesse navegar novamente; caso contrário, ela explodiria o navio, todos morreriam, ficando os piratas sem nada.

    Deu certo! Assim que o perigo passou, ela exigiu que o ocorrido fosse registrado em ata, com várias testemunhas, documentando assim a lamentável ocorrência, mas apesar de tudo, as mulheres a bordo estavam salvas e tinham sido respeitadas.

    Em seguida, seguiram em direção ao Novo Mundo, mas nada ajudava e, além de muitas calmarias, a maioria dos instrumentos de navegação haviam sido levados pelos piratas e o barco se perdeu. Com isso, só conseguiram chegar na Ilha de Santa Catarina (local combinado para o reencontro) oito meses depois, em 16/12/1550. O navio aportou em péssimas condições, pois a demora no mar, os poucos alimentos e as difíceis condições do transporte causaram muitas doenças e mortes, sobrando pouco mais da metade da tripulação que saiu da Espanha (Dona Mencia, inclusive, perdeu uma das suas três filhas).

    Na época, a Ilha de Santa Catarina e os seus arredores ficava mais ou menos na metade do caminho para a cidade de Assunção. Ela era de domínio espanhol, pois somente em 1777, no Tratado de Santo Ildefonso, ela passaria ao domínio português (foi trocada pela Colônia de Sacramento, no Uruguai). Justamente por isso é que os capitães da Expedição Sanabria combinaram de se encontrar ali).

    Logo depois do desembarque no porto improvisado de Santa Catarina, veio uma terrível tempestade e o navio, que já estava em péssimas condições, foi jogado contra as pedras, ficando totalmente inutilizado. Se não bastasse isso, descobriram que, dos dois outros barcos, somente o menor deles havia chegado, o outro havia desaparecido, concluindo-se mais tarde que tinha naufragado, pois nunca mais tiveram notícias dele. Assim, com apenas um barco pequeno, muito danificado e sem condições de reparo imediato, a expedição não pôde continuar a viagem para Assunção.

    (Foi nesse pequeno barco que o alemão Hans Staden viajou da Espanha até Santa Catarina, e mais tarde seria aprisionado pelos índios de Bertioga, escrevendo posteriormente um livro sobre a sua aventura).

    Tentaram viver ali por um tempo, mas as condições eram as piores possíveis. Apesar de tudo, a vida continuava e mais de um ano depois da chegada, no natal de 1551, a filha mais velha de Dona Mencia, a Maria de Sanabria casou-se com o nobre Hernando de Trejo.

    (Mais tarde, em um local próximo dali, chamado São Francisco do Sul, nasceria o filho do casal, que foi chamado de Fernando de Trejo Y Sanabria e ele futuramente seria o bispo da província de Tucumán e fundador da prestigiosa Universidade de Córdoba, ambas as localidades na atual Argentina).

    Ficaram por ali até meados de 1553, mas a situação estava muito difícil, inclusive com constantes ataques indígenas. Foi então que eles resolveram pedir ajuda aos portugueses da Ilha de São Vicente. Com os “restos” dos dois navios inutilizados, construíram um pequeno barco. Alguns membros da expedição, entre eles Hans Staden, navegaram até São Vicente para pedir ajuda.

    No entanto, a precariedade de um barco construído às pressas e o desconhecimento da costa brasileira foram determinantes para o naufrágio que aconteceu perto de Itanhaém. Felizmente, a maioria dos seus tripulantes conseguiu se salvar e seguiu o resto do caminho a pé.

    Em São Vicente, os espanhóis (menos o alemão Hans Staden que foi contratado pelos portugueses para atuar no Forte de Bertioga) receberam a ajuda dos jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta econseguiram um barco emprestado, com o qual foram até a Ilha de Santa Catarina e trouxeram o restante da expedição para São Vicente.

    Assim que o barco chegou à vila portuguesa, Dona Mencia foi informada que o seu enteado e governador nomeado do Rio da Prata, Diogo de Sanabria, havia partido de Sevilha, em outubro de 1550, com mais três navios, mas a expedição inteira foi desviada por um forte temporal e naufragou na Ilha Margarida (atual Venezuela). Ele foi dado como morto pela coroa espanhola e consequentemente foi nomeado outro governador em seu lugar. O escolhido foi o capitão e governador interino de Assunção e do Rio da Prata, Domingos Martinez de Irala. Portanto, com a destituição do enteado, Dona Mencia perdeu todos os seus poderes.

    A intenção dela e dos espanhóis era alugar um barco que os levasse até Assunção, mas o governador português Tomé de Sousa não permitiu. Ele ficou sabendo que alguém da expedição Sanabria teria enviado carta ao rei espanhol delatando o tráfico de índios em São Vicente (na época a cidade era conhecida como o “Porto dos Escravos”). Por causa disso, Tomé de Souza solicitou que a coroa portuguesa investigasse o caso antes de liberar os espanhóis.

    Enquanto aguardava a resposta da coroa portuguesa, a expedição Sanabria ficou retida em São Vicente e somente em maio de 1555 chegou uma ordem da coroa portuguesa para liberar os espanhóis. O novo governador português Duarte da Costa, cumpriu imediatamente a ordem. Mas como já foi dito, nada dava certo nessa expedição e os dois principais capitães dela se desentenderam e o escasso contingente se dividiu:

    Por um lado, estava Juan de Salazar (havia sido o capitão do principal navio da esquadra, além de ter sido o fundador da cidade de Assunção em 15/08/1537). Ele, a esposa, a filha, alguns jesuítas e outras pessoas a ele ligadas, incluindo vacas, porcos, galinhas e outros pertences, seguiram a pé para Assunção, via Caminho de Peabirú. Após mais de três meses de caminhada, muito sofrimento, mortes etc., no final de outubro de 1555, eles chegaram lá.

    (A cidade de Assunção ficava mais ou menos na metade desse caminho, que tinha em sua totalidade mais de três mil quilômetros, ligando a cidade de São Vicente, no litoral atlântico, à cidade de Cuzco, no Peru e com diversos ramais; em um deles, ligava a Ilha de Santa Catarina ao caminho principal e, em outro, ligava Cuzco ao Oceano Pacífico).

    Do outro lado estava Hernando de Trejo (também um nobre espanhol que agora era marido da Maria de Sanabria), com ele estavam a Dona Mencia, as duas filhas, alguns marinheiros e o que restou das Donzelas (menos de 30 delas, pois várias haviam morrido e outras haviam se casado com portugueses). Este grupo, novamente com a ajuda dos jesuítas, voltou para a Ilha de Santa Catarina e lá fundaram um assentamento que chamaram de São Francisco de Mbiaza (atual São Francisco do Sul – SC).

    Infelizmente eles não obtiveram sucesso. No final do ano de 1555, após vários ataques indígenas, onde, em um deles, Hernando de Trejo querendo dar o troco, equivocou-se e atacou uma aldeia de índios pacíficos, matando muitos deles. (Isto lhe custaria muito caro mais tarde). O fato é que não era possível permanecer por ali e resolveram abandonar o local.

    Sem condições de seguir por mar, decidiram seguir a pé para Assunção, utilizando o mesmo caminho que Salazar usou meses antes. (Como já dissemos, ali em Santa Catarina, existia um ramal do famoso Caminho de Peabirú).

    Assim, pouco mais de 40 pessoas (a maioria mulheres) guiadas por um mestiço, seguiram a pé através de uma floresta atlântica quase impenetrável, grandes rios, regiões alagadas, animais selvagens e todo tipo de perigo.

    Após mais de cinco meses de caminhada e mais de seis anos da saída da Espanha, em maio de 1556, eles finalmente entraram na cidade de Assunção. Eram 22 homens (alguns mestiços), 21 mulheres e algumas crianças (entre elas o Fernando de Trejo, neto de Dona Mencia).

    A chegada, embora triunfal, não foi nada pacífica, pois o massacre de indígenas promovido por Hernando de Trejo em São Francisco de Mbiaza, deu motivo para o governador do Rio da Prata, Domingos Martinez de Irala, mandar prendê-lo, livrando-se, assim, de um possível adversário. Ele morreu na prisão em 1557, sem que seu julgamento pudesse ser realizado.

    (Irala temia que Dona Mencia, que era parente e aliada de Hernando, reivindicasse novamente o cargo de governador do Rio da Prata junto à coroa espanhola, pois era de seu conhecimento a influência dela com o rei espanhol).

    Mesmo com a chegada das “donzelas” e apesar dos protestos de Dona Mencia e dos religiosos que atuavam no local, o Paraiso de Maomé continuou. O próprio governador Irala teve mais de dez filhos mestiços, tendo reconhecido oficialmente a maioria deles.

    Por outro lado, deve-se registrar que, apesar de tudo, as pessoas ligadas diretamente a Dona Mencia deixaram uma descendência importantíssima para a região: o neto dela e filho de Maria Sanabria, Fernando de Trevo, foi importante figura religioso e fundador da Universidade de Córdoba. O outro neto e também filho de Maria Sanabria (do segundo casamento dela), Hernandarias foi o primeiro governador do Rio da Prata a nascer na região. A outra filha dela,a Isabel casou-se com Juan de Garay (que também havia sido membro da expedição Sanabria). Ele foi o responsável pela segunda fundação de Buenos Aires, em 1580. Sem mencionar tantas outras pessoas importantes, ligadas a esta crível expedição, cuja lista é tão grande que não caberiam nesta página.

    Sobre a nossa grande heroína, Dona Mencia Calderón Ocampo, pouco se sabe dela a partir do dia em que colocou os pés em Assunção. Aliás, é incrível como as informações sobre ela são desencontradas, não se sabe inclusive quando e onde morreu. Uns dizem que teria morrido em Assunção, por volta de 1580, outros afirmam que ela, desgostosa com as coisas em Assunção, teria se mudado para a cidade de Santa Cruz de La Sierra (atual Bolívia) e ali teria morrido em 1593.

    Caro leitor, você acha que uma história dessa pode se repetir?

    Que a paz esteja com todos.

    Darci Men.

  • TANABATA

    TANABATA

    Você sabe o que é Tanabata?

    Não? Então, vou tentar explicar o mais resumido possível.

    É uma data festiva (comemorada no dia 07/07 de cada ano) para celebrar uma história milenar de amor entre duas estrelas.

    Pois é, Tanabata é um dos cinco tradicionais festivais do Japão e, segundo dizem, é também popular na China (de onde teria sua origem).

    A história é até simplista, mas cheia de simbolismo. Continue lendo…

    No caso japonês, uma estrela é representada pela princesa Orihime (Vega) e a outra pelo vaqueiro Hikoboshi (Altair).

    Orihime era uma excelente tecelã e se apaixonou pelo incansável vaqueiro Hikoboshi. Apesar da diferença de status entre os dois, o pai de Orihime permitiu o casamento deles, mas, após o casamento, ambos não mais trabalhavam e só viviam para o amor.

    Foi aí que o pai dela resolveu separá-los e só permitir que se encontrassem uma única vez ao ano, ou seja: no sétimo dia do sétimo mês (daí o festival no dia 07/07, às vezes comemorado em outras datas devido a diferença nos calendários japonês e gregoriano).

    Curiosamente, no Brasil, o festival é chamado de Tanabata Matsuri (festival do sétimo dia, em uma tradução livre) ou Festival das Estrelas.

    A primeira comemoração desse tipo no Brasil, aconteceu na pequena cidade de Assaí, no Paraná, em 1978. Nos dias atuais está presente em muitas cidades brasileiras, inclusive em São Paulo, no tradicional bairro japonês da Liberdade.

    Na verdade, o Tanabata não é um simples festival sazonal, mas um momento de reflexão entre o individual e o coletivo onde se repensa a vida e se procura conseguir realizar seus sonhos (daí a tradição de escrever bilhetes e pendurá-los nos bambus decorativos).

    As suas decorações vibrantes e cuidadosamente realizadas (onde só os japoneses conseguem) mostra toda a beleza da tradição e da importância do evento.

    É isso aí.

    Que a paz esteja com todos.

    Darci Men

  • O Clube da Vida

    O Clube da Vida

    Você sabe o que é a vida?

    Claro que não! – você responderia – Ninguém sabe!

    É verdade!

    Atualmente, apesar de todo o saber do ser humano, não há um consenso claro do que é a vida e as definições disponíveis variam bastante de acordo com os pensamentos e os olhos de cada um.

    Pois é, o homem já está tentando criar a vida artificial e ainda não conseguiu saber exatamente o que é a vida real e a definição disso tem sido um grande desafio para cientistas, filósofos e afins, em parte, porque a vida é um processo e não uma substância.

    Existem centenas de teorias sobre isso, uma delas, bastante simplista, é aquela fornecida pela Nasa, a agência espacial americana. Segundo eles, a vida é um sistema químico autossustentável capaz de se reproduzir e fazer a evolução darwiniana.

    Mas, seria tão simplista assim?

    Claro que tem quem acredita que a vida é uma criação divina, e não se fala mais nisso.

    Devemos respeitar quem pensa assim, mas o meu objetivo neste espaço não é criar uma discussão religiosa, acadêmica, filosófica, ou qualquer outra, mas refletir sobre o assunto, afinal, quer queiramos ou não, todos nós somos sócios deste incrível “clube da vida”.

    Eu, pessoalmente, tenho o meu conceito sobre isso, que nem sei bem de onde veio, provavelmente uma mistura do conhecimento da própria vida, da filosofia e de outas coisas.

    Bem, certamente vai ter quem não concorda, mas acho que a vida é simplesmente um ciclo criado pela natureza.

    Penso assim por que, todo ser vivo, seja ele uma planta, um animal ou outro qualquer, um dia vai servir de alimento para outro ser vivo.

    A palavra “vida” foi criada pelo homem e vem do latim “vita” (existência da vida) e já ficou provado que a existência de vida na Terra dependeu de outros organismos e não foi gerada sozinha e muito menos espontaneamente.

    Apesar de tudo, não custa repetir que o objetivo aqui não é criar uma discussão acadêmica, então, enquanto isso, vamos ficar com o conceito do Gonzaguinha que criou aquele famoso samba “O QUE É, O QUE É”. Um trecho para relembrar:

    Eu fico com a pureza da resposta das crianças

    É a vida, é bonita e é bonita.

    Viver, e não ter a vergonha de ser feliz,

    Cantar e cantar e cantar,

    A beleza de ser um eterno aprendiz

    Ah! Meu Deus, eu sei, eu sei,

    Que a vida devia ser bem melhor e será,

    Mas isso não impede que eu repita

    É bonita, é bonita e é bonita…

    Que a paz esteja com todos

    Darci Men

  • O Criador de Calcinhas

    O Criador de Calcinhas

    Em 1480, quando o Papa Sisto IV encomendou a construção de uma capela papal, certamente ele não imaginou que aquele local ficaria tão famoso.

    Agora, no início de maio do ano de 2025, mais de cinco séculos depois, esta mesma capela está pronta para mais um conclave com o objetivo de eleger um novo sucessor ao trono de São Pedro. Então,fica a pergunta:

    Por que a Capela Sistina é tão famosa?

    Certamente não é pela beleza externa da construção, tampouco pelo seu tamanho (14×40 metros), mas, sobretudo, pelo seu famoso teto abobadado de 3.300 metros quadrados à 18 metros de altura. Nele estão as incomparáveis pinturas de Michelangelo, tão apreciadas por quem ama a arte, seja ele devoto ou não da fé cristã.

    Apesar de todo o esplendor daquelas pinturas, ainda assim teve muitas críticas, quase todas devido aos diversos personagens nus encontrados na sua composição.

    (Michelangelo entendia que o corpo humano é o exemplo perfeito da manifestação divina e, justamente por isso, devia ser retratado em sua forma natural).

    Um dos maiores críticos da sua obra foi o Cardeal Biaggio de Cesena que, na época em que Michelangelo trabalhava na pintura do Juízo Final, Cesena era mestre de cerimônias do Papa Paulo III.

    É sempre bom lembrar que foi o sobrinho do Papa Sisto IV, o também Papa Júlio II que, em 1508, foi o primeiro a contratar Michelangelo para pintar o teto da Capela Sistina. Mas Júlio II morreu em 1513 e a obra ficou incompleta. Somente em 1534, já no papado de Clemente VII, que o famoso artista foi novamente contratado para pintar a parte restante, conhecida como Juízo Final.

    No entanto, Clemente VII também morreu antes que o pintor recomeçasse a obra e tudo parou novamente. Somente em 1536, para sorte do famoso artista e de todos nós que amamos a arte, Michelangelo foi novamente contratado pelo Papa Paulo III

    Voltando ao Cardeal Cesena, quando o formidável artista dedicava toda a sua força física e intelectual na obra do Juízo Final, não conseguia trabalhar sossegado devido às constantes reclamações do mestre de cerimônias do Papa e, farto de suportar tanta chatice, o artista resolveu pregar-lhe uma peça, retratando-o, em sua obra, na figura de Menis ou Minos, o juiz do inferno (ver a foto deste post).

    (Para quem não sabe, Menis ou Minos, o mesmo que aparece na famosa obra A Divina Comédia”, de Dante, é um personagem pagão da antiga Grécia. Contudo, tem quem sustente que a figura retratada por Michelangelo, nada tem nada a ver com o personagem da mitologia grega, mas esta é outra história).  

    Voltando ao Cardeal Cesena, quando ele percebeu a vingança do pintor, foi reclamar ao Papa, implorando para que a sua santidade interviesse e obrigasse o artista a refazer aquele rosto. No entanto, Paulo III, acabou se divertindo com a questão, respondendo ao seu mestre de cerimônias:

    Se ele o tivesse colocado no purgatório, eu poderia fazer um esforço e retirar-te de tal lugar, mas estás no inferno, meu caro, e bem sabes que ali se entra e não se sai mais”.

    Resultado: até hoje o infeliz Cesena continua retratado no inferno de uma das maiores obras de arte que a humanidade já conheceu.

    Voltando a questão dos nus da famosa pintura, não foi só o Cesena quem reclamou e, muitos anos depois, mais precisamente um ano após a morte de Michelangelo, no Concílio de Trento, foi aprovada a “correção” dessas pinturas.

    Assim, em 1564, o Papa Pio V, contratou o pintor Daniele da Volterra, que acrescentou pequenas toalhas nas partes púbicas dos personagens, mas o pintor, apesar de cumprir com maestria a sua função, acabou pagando um alto preço por isso, pois ficou conhecido como Il Braghettone, “O Criador de Calcinhas”.

    Mais tarde, essa correção foi novamente revertida com a remoção das “toalhas” de Volterra, exceto para alguns personagens, como o São Pedro, São Bartolomeu, Santa Catarina de Alexandria e outros, que ainda vestem as “calcinhas”.

    Que a paz esteja com todos.

    Darci Men.

  • Maringá, Maringá

    Maringá, Maringá

    Joubert de Carvalho, o icônico “doutor seresteiro” (ele era médico), autor da famosa música: “Taí, eu Fiz Tudo pra Você Gostar de Mim”, entre dezenas de outras músicas de sucesso, também foi o criador da música “Maringá, Maringá”. O que ele nunca imaginou é que a sua criação daria nome a uma das mais belas e progressistas cidades do Brasil.

    Atendendo ao pedido de um alto funcionário do governo, em 1931/32, Joubert criou a música para homenagear os retirantes do nordeste brasileiro que sofriam uma das piores secas de sua história.

    Este mesmo funcionário contou-lhe ter sido morador da vila do Ingá, na cidadezinha de Pombal, no interior da Paraíba e lá ter conhecido uma bela morena conhecida como Maria do Ingá. Foi desse relato que Joubert se inspirou para criar a sua música, principalmente a personagem principal: a cabocla Maringá (Maria + Ingá).

    (Para quem não sabe, ingá é uma planta típica da floresta atlântica e Pombal é uma casinha de pombos, muito utilizado antigamente quando essas aves serviam como correio).

    A simplicidade da letra, aliada a uma melodia bem cadenciada, resultou em um estrondoso sucesso e a música foi gravada por dezenas de intérpretes.

    Existem diversas versões de como o nome da música foi escolhido para a cidade, no entanto, a mais aceita é aquela em que uma mulher sugeriu isso a empresa que fundou a cidade.

    (Também, para quem não sabe, a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, do banqueiro e empresário Gastão Vidigal e outros empreendedores, foi a “desbravadora” da mata virgem do noroeste paranaense e fundou a maioria das cidades daquela região, entre elas Maringá).

    Segundo contam, um dos diretores da Companhia. quando foi vistoriar o andamento dos serviços, ele levou consigo a sua esposa, a Elizabeth. Ela ficou encantada ao ver os trabalhadores fazendo aquele serviço pesado e, ao mesmo tempo, cantando juntos a música Maringá, Maringá. Foi então que ela sugeriu o nome da música para a cidade.

    Pois é, minha terra natal, a jovem cidade de Maringá (completa 78 anos no próximo dia 10/05), tem, atualmente, aproximadamente 430.000 habitantes e é a terceira maior cidade do Paraná. Foi eleita recentemente como uma das melhores cidades do Brasil para se viver. (ela é muito bem planejada, com excelente infraestrutura e com as suas ruas e avenidas largas e densamente arborizadas).

    Seu principal cartão postal é a magnífica Catedral Metropolitana Nossa Senhora da Glória, tendo a sua construção iniciada em 1959 e a sua inauguração em 10/05/1972 (quando a cidade completou 25 anos).

    É a mais alta catedral da América Latina, com capacidade para 4.700 pessoas e é o 10º monumento em altura em todo o mundo (tem 50 metros de diâmetro, por 124 metros de altura).

    Sua arquitetura ímpar teve como inspiração o foguete soviético Sputnik, onde a sua cúpula representa o corpo do foguete e os seus vitrais laterais representam as chamas e a fumaça dos seus motores. Possui um mirante em sua parte superior com uma subida de 423 degraus (fui informado que recentemente construíram um pequeno elevador inclinado).

    O mais interessante, e que pouca gente sabe, é que, no subsolo, sob o altar, ficam os túmulos dos religiosos e na altura de aproximadamente 45 metros desta magnífica construção, existe um ossuário, com capacidade de 1360 lóculos, onde os “abastados” da cidade compraram para depositar os ossos dos seus entes queridos.

    Minha cidade natal é incrível, não é mesmo? Mas, vale a pena relembrar um trecho da linda melodia que deu nome a ela:

    Maringá, Maringá,

    Depois que tu partiste,

    tudo aqui ficou tão triste,

    Que eu garrei a imaginá…

    Que a paz esteja com todos.

    Darci Men.

  • O Tempo, Dentro do Tempo

    O Tempo, Dentro do Tempo

    Você já parou para pensar por que existe o tempo?

    Segundo Einstein, o tempo é relativo e não passa de uma invenção humana. Mas seria isso mesmo ou o tempo é uma criação da natureza?

    Na verdade, o conceito de tempo é muito vago e ele já tem uma história bem longa, cujo final está mais distante ainda.

    No entanto, o nosso propósito aqui, não é discutir o aspecto acadêmico e físico do tempo, mas apenas contar a sua história em relação a humanidade.

    Mas, afinal, o que é o tempo?

    Ele pode ser definido de várias maneiras, mas o tempo como medida, baseado nos fenômenos da natureza, foi inventado na aurora da humanidade. Os povos antigos necessitavam de conhecer e registrar os seus mecanismos para melhor utilizá-lo nos dias festivos, na caça, na pesca, nas plantações etc.

    Já, atualmente, como bem sabemos, o tempo é um dispositivo essencial na vida de qualquer ser humano e serve, entre outras coisas, para você reclamar que não tem tempo para nada e, com isso, não lê os meus livros e os meus textos!

    Brincadeira à parte, a grande verdade é que a vida moderna não deixa todos nós sem tempo, nós é que perdemos tempo com coisas inúteis.

    Voltando a história do tempo, temos outra pergunta:

    Quanto tempo o tempo tem?

    Segundo um consenso entre os cientistas, pode-se contar o tempo a partir do início do Universo que conhecemos, ou seja, a partir do famoso Big Bang (isto é, levando-se em conta apenas o atual Universo, pois tem quem sustente que o tal de Big Bang eliminou o Universo anterior). Mas esta é outra história!

    Pois é, através de vários mecanismos, tais como: a estratificação geológica, a marcação radioativa, eventos arqueológicos, astrofísica, entre outros, foi possível estimar que o “tempo” do Universo que conhecemos, tem aproximadamente 15 bilhões de anos.

    Difícil até de imaginar essa imensidão, não é mesmo? Para piorar esse entendimento, se o Universo é muito, muito velho, nós, os humanos, em relação a ele, somos muito, muito jovens.

    Carl Segam, em seu livro “Dragões do Éden”, propôs um esquema para facilitar esse entendimento. Ele sugeriu comparar a idade do Universo com um ano do nosso atual calendário (ele chamou de “ano cósmico”).

    Então, nesse ano cósmico, o Big Bang aconteceu no primeiro segundo do primeiro dia de janeiro. A partir daí foi necessário praticamente todo o ano inteiro para formar o Universo e somente no dia 31/12 (portanto o último dia desse ano), aproximadamente às 22:20 horas, que surgiram os primeiros seres humanos na Terra. Incrível, não?  Pois é justamente nesse “finalzinho” do ano cósmico que está a história humana e onde vivemos atualmente.

    Pois bem, como já dissemos, nesse “finalzinho” do ano cósmico, mas na aurora da humanidade, os Sumérios/Babilônios, povo que viveu entre 1.950 a 539 a. C., na Mesopotâmia (atual Iraque), inventaram um sistema de marcar o tempo utilizando o sistema sexagesimal (base 60 e múltiplo de 12), dividindo o dia em 12 partes (aproximadamente 2 horas para cada parte ou 120 minutos). Esse sistema evoluiu e foi criado o mês de 30 dias e o ano de 12 meses (360 dias).

    Apesar da genialidade dos matemáticos daquela incrível civilização, esse sistema dava uma “ideia” bem aproximada dos fenômenos naturais, mas não coincidia exatamente com o tempo deles, distorcendo os momentos corretos de vários eventos, tais como: as estações do ano, as marés etc.

    Sabemos hoje que a duração exata de um ano (quando a Terra dá uma volta inteira ao redor do Sol), é de aproximadamente 365,2425 dias, ou seja, 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 46 segundos. 

    Outros povos orientais da antiguidade criaram seus próprios sistemas de medir o tempo, popularmente chamados de calendários. Mas, apesar das particularidades de cada um, nenhum deles conseguiu registrar com precisão o movimento da natureza.

    No ocidente não foi diferente e os primeiros a criar calendários foram os romanos. No reinado de Numa Pompílio (715 a 673 a. C.), o segundo rei romano, criou-se um calendário com 12 meses, mas com apenas 355 dias. Apesar de muito falho, esse calendário durou quase 700 anos.

    Foi o famoso general romano Júlio Cesar (100 a 44 a. C.) quem determinou a criação de um calendário um pouco mais preciso (ficou conhecido como calendário juliano). Este, mais elaborado, continha 12 meses de 30 ou 31 dias (exceto fevereiro com 28 ou 29 dias), dando em média 365,25 dias anuais. Apesar de também conter falhas, durou cerca de 1.600 anos.

    Portanto, na época romana e boa parte da Idade Média, aqui no ocidente, foi utilizado o calendário juliano e os anos eram contados a partir do chamado A.U.C., Anno Urbis Conditae (ano da fundação de Roma), mais precisamente 21/04/753 a. C.

    Com a influência da Igreja Católica, em 532 d. C., um monge, que também era matemático e astrônomo, chamado Dionísio, o Exíguo, criou o chamado A.D. Anno Domine, (Ano do Senhor), ou seja, os anos passaram a ser contados a partir do ano de nascimento de Cristo, ao invés da data da criação de Roma.

    O problema é que o Exíguo, erroneamente, se baseou no princípio que Cristo teria nascido no dia 25/12/753 A.U.C. (não confundir com 753 a. C.). Isto criou várias interpretações para o início da era cristã (tanto em relação ao ano como em relação ao dia), gerando diferenças nos diversos calendários utilizados pelos povos ocidentais.

    Mesmo assim o esquema valeu e os anos a partir do nascimento de Cristo passaram a ser registrados como A.D. (ano do senhor) ou d. C. (depois de Cristo) e os anos anteriores ao nascimento de Cristo, como a. C. (antes de Cristo).

    Apesar do erro do monge, depois do calendário Gregoriano (1.582 d. C.), ficou convencionado manter o ano 753 U.A.C. como ano 01 da era cristã, mas, o “ponto de partida” é contado em uma escala sem o ano “zero” e sempre a partir de primeiro de janeiro. Assim, o século I d. C., vai de 1/1/1 a 31/12/100; o século II, de 1/1/101 a 31/12/200 e assim sucessivamente.

    Da mesma forma, mas em relação inversa, contam-se o tempo anterior à cristo (a. C.). neste caso, quanto mais distante do ano de nascimento de Cristo, maior será o número. Um belo exemplo é o pai de Júlio Cesar, que também se chamava Júlio Cesar. Ele nasceu no século II (ano 140 a. C.) e morreu no século I (85 a. C.).

    E tem mais: conforme já dissemos, o calendário juliano não era perfeito, mas ele durou cerca de 1.600 anos e, por volta do ano 1.582 d. C. a defasagem em relação ao tempo real era de aproximadamente 10 dias.

    Por esse e outros motivos, o Papa Gregório XIII (1.502 a 1.585 d. C.), encomendou uma correção, adequando o novo calendário com o tempo real (o novo sistema ficou conhecido como Calendário Gregoriano e somente precisará de nova correção a cada 3.300 anos).

    No entanto, essa novidade teve as suas consequências: a principal delas foi a necessidade de compensar o erro do calendário anterior e corrigir a defasagem de 10 dias, fazendo com que os dias 5 a 14/10/1.582 fossem suprimidos do calendário (simplesmente não mais existiram para efeito de registros).

    A partir de então, o calendário gregoriano passou a ser utilizado por todos os povos cristãos e atualmente é utilizado a nível mundial.

    É isso aí, mas você que, apesar do “testão” leu até aqui, arruma mais um “tempinho” para ler outros textos meus. Eu te garanto que não é perda de tempo.

    Que a Paz esteja com todos.

    Darci Men.

  • Os Estados Unidos e a Pequena Notável

    Os Estados Unidos e a Pequena Notável

    Quem vê agora, em 2025, os Estados Unidos “comprando” uma briga comercial com o resto do mundo, não consegue ver este mesmo país na década de 1930.

    Pois é, naquela época, o povo americano ainda sentia as consequências da grande depressão de 1929. Devido a isso, aliado a outros motivos, a política americana foi bem diferente, pelo menos para nós brasileiros e para a América Latina em geral.

    Franklin Delano Roosevelt, o presidente americano da época, precisando melhorar o “caixa do seu país” e percebendo o aumento da influência “nazifascista” na américa latina, determinou uma mudança na política com estes países, visando, não só melhorar o relacionamento comercial, mas, também, o político e o cultural. (O que, diga-se de passagem, eles o fizeram muito bem!).

    Assim, entre as décadas de 30/40, muitos empresários e artistas de ambos os países, entre eles algumas das celebridades hollywoodianas, foram estimulados pelo governo americano a contribuir para essa nova política, com visitas recíprocas para a criação de novos intercâmbios comerciais e culturais.

    O resultado disso foi a chamada Política da Boa Vizinhança, (Donald Trump deveria estudar um pouco mais a história do seu país)

    Bem, no caso Brasileiro, entre essas personalidades, podemos destacar: Nelson Rockefeller, que criou a OCIAA – agência de intermediação comercial e cultural), Walt Disney (criou vários personagens brasileiros para suas histórias, com destaque para o Zé Carioca, o malandro e esperto papagaio dos morros cariocas), Orson Welles, Lee Schubert, Heitor Villa Lobos, Luiz Carlos Barreto, Érico Veríssimo, entre tantos outros.

    Pois é, em 1939, Lee Schubert (empresário americano da Broadway) esteve em visita ao Rio de Janeiro e ficou encantando com uma cantora baixinha que se apresentava no Cassino da Urca com roupas extravagantes, cheia de “trejeitos” e um enorme chapéu decorado com diversos “balangandãs”. (Dizem que era ela mesma que fazia os chapéus, pois, na juventude, foi funcionária de uma chapelaria e tinha facilidade em monta-los).

    Seu nome artístico era Carmen Miranda, mas nasceu Maria do Carmo Miranda da Cunha em 09/02/1909, na cidade do Porto, Portugal e veio ao Brasil com menos de um ano de vida (ela mesma fazia questão de dizer que era brasileira e se irritava quando alguém a chamava de portuguesa).

    Quando o americano à conheceu, ela já era uma celebridade no Brasil, tanto como cantora como artista do rádio, do teatro de revista e do cinema e conhecida como A Pequena Notável, apelido dado a ela pelo radialista César Ladeira.

    No Brasil, o seu maior sucesso foi uma gravação de 1930, a marchinha carnavalesca “Taí, Eu Fiz Tudo Pra Você Gostar de Mim”, uma criação do médico e compositor Joubert de Carvalho, (o mesmo que compôs a famosa música Maringá, Maringá que deu o nome a linda cidade paranaense).

    Lee à contratou imediatamente e ela foi para os Estados Unidos, onde obteve sucesso imediato, tornando-se uma espécie de embaixadora do samba brasileiro e símbolo inconteste do programa americano da Política da Boa Vizinhança.

    Lá ela permaneceu por 14 anos e seus sucessos foram tão grandes, tanto na música, no cinema como em shows diversos, que ficou conhecida como a brasilian bombshell (brasileira explosiva), tornando-se, inclusive, a mulher mais bem paga dos Estados Unidos da época.

    Lá, ela foi homenageada na calçada da fama e com o nome de uma praça em Hollywood, e, em sua cidade natal, em Portugal, é nome de um museu, além de diversas outras homenagens aqui no Brasil.

    Ela morreu em Beverly Hills (EUA), em 05/08/1955, de ataque cardíaco, com apenas 46 anos de vida (dizem que sua morte foi devido ao excesso de barbitúricos que tomava).

    Vinícius de Moraes já dizia: “Quem já passou por essa vida e não viveu, pode ser mais, mas sabe menos que eu. Porque a vida só se dá para quem se deu”.

    Que a paz esteja com todos.

    Darci Men.

  • Varre, Varre, Vassourinha

    Varre, Varre, Vassourinha

    Jânio da Silva Quadros foi um dos políticos mais carismáticos do Brasil.

    Foi advogado, professor e escritor, mas foi na política que se destacou, sendo presidente da república, governador do estado de São Paulo e prefeito da cidade de São Paulo em duas ocasiões, entre outros cargos públicos.

    Ficou famoso por utilizar a vassoura como símbolo de suas campanhas políticas, mas, o maior destaque da sua carreira política acabou sendo a nebulosa renúncia à presidência da república em 24/08/1961 (dizem que foi um “blefe” dele, que, para seu desespero, acabou valendo).

    Interessante registrar que a sua renúncia culminou com o curto e único período parlamentarista brasileiro, seguido de um golpe militar, acontecido pouco mais de dois anos depois, em 1964.

    Era do tipo que gostava de tomar decisões polêmicas. Alguns exemplos:

    Em 19/08/1961 concedeu uma das mais altas condecorações brasileiras, (a Grã Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul), ao guerrilheiro Ernesto Che Guevara;

    Alguns meses depois, proibiu o biquini nas transmissões televisionadas dos concursos de miss;

    Tentou anexar a Guiana Francesa, mas não conseguiu, porque, entre outros motivos, nesse ínterim, aconteceu a famosa renúncia à Presidência da República;

    Era do tipo “populista” e, além de usar a “vassourinha” como símbolo, gostava de falar corretamente a língua portuguesa, utilizando frases de efeito.

    Uma de suas frases que ficou famosa foi quando, respondendo a um repórter que insistia em saber por que ele tinha tomada certa decisão, respondeu:

    — “Fi-lo porque qui-lo!”

    Em outra ocasião, interpelado porque bebia tanto Whisky, saiu-se assim:

    “Bebo-o, porque é líquido. Se fosse sólido, comê-lo-ia”.

    Já no “entardecer” de 1985 (pouco antes de assumir a prefeitura de São Paulo pela segunda vez), a sua prima Luciene, que possuía um belo corpo, pousou nua para a revista masculina Playboy.

    Jânio e sua inseparável esposa, Dona Eloá, ficaram escandalizados, a ponto de proibirem que as pessoas mais próximas comentassem o assunto. Isto não impediu que um repórter perguntasse:

    — Prefeito, o que o senhor achou da sua prima nua na revista?

    E Jânio saiu-se com a seguinte frase:

    “Rapaz, se eu fosse mais jovem, comê-la-ia, mas como eu já sou velho, como a Eloá”.

    Que a paz esteja com todos.

    Darci Men.