Existem términos que chegam como tempestade: barulho, relâmpago, corte seco.
Mas existem outros que vêm devagar, como um relógio que ninguém consegue desligar.
Esse conto fala sobre esse segundo tipo.
Um relacionamento que já não era recente, que já tinha atravessado quase uma década de domingos preguiçosos, viagens baratas, brigas pequenas e silêncios pesados. E, ainda assim, ao invés de acabar de repente, ele foi colocado dentro de um calendário: treze meses até o fim.
Não foi impulso, não foi tragédia. Foi pacto. Uma data escolhida a dedo, como se o amor também pudesse ter validade impressa.
E é nesse tempo contado que a vida deles se mistura ao adeus. Cada mês vira um retrato, uma última dança, uma queda lenta.
Esse não é um romance sobre começar, mas sobre terminar.
E talvez seja justamente aí que more a beleza: viver sabendo que vai perder, mas mesmo assim escolher ficar.
Mês 1 — O Pacto

Eles não brigaram.
Não houve portas batendo, nem lágrimas escorrendo no travesseiro.
Houve apenas uma conversa, no sofá da sala, o som da cidade entrando pela janela, o cheiro de café velho misturado com o fim do dia.
— A gente precisa terminar. — Clara falou com firmeza, mas sem raiva.
— Eu sei. — Rafael respondeu, tentando parecer calmo. Por dentro, a cabeça girava, lembranças e culpa dançando juntas.
Treze meses.
Ela escolheu a data. Ele aceitou, mas cada palavra dela era um desafio silencioso. Treze meses para tentar fazer funcionar, enquanto sabia que o passado dele — noites de álcool, descontrole, promessas quebradas — ainda rondava cada gesto.
Eles não precisaram assinar nada. O pacto existia no olhar, no silêncio pesado que seguia cada frase.
Treze meses para continuar dividindo a cama, a cozinha, a rotina. Treze meses para ele provar que podia ser diferente, que o amor ainda cabia ali, mesmo com tudo que já tinham vivido.
Mês 2 — O Cotidiano Revisitado

O segundo mês veio com uma rotina estranha.
Rafael tentava reconectar: convidava Clara para passeios curtos, para cafés improvisados, para pequenas gentilezas. Cada gesto era pensado, cada toque carregava a urgência de quem quer salvar algo que já começou a escorregar pelas mãos.
Clara aceitava. Mas com cuidado, sem pressa, sem se entregar. Paz era a prioridade dela; intensidade era tudo para ele.
No café da manhã, cada sorriso parecia mais carregado do que o normal. No sofá, assistir série juntos era um exercício de presença. Até lavar louça se tornava um pequeno ritual: mãos molhadas, água escorrendo, silêncio cúmplice.
Ele se lembrava do passado com medo: a tentação de beber, a explosão de raiva, a culpa que nunca ia embora. Tentava compensar, mostrar que podia ser diferente.
Ela apenas respirava fundo e seguia tranquila, sem se prender à contagem regressiva.
Mês 3 — A Viagem

Rafael sugeriu uma viagem.
Não era só férias, era tentativa de reconexão: um último esforço para sentir que poderiam ser felizes.
Clara aceitou, mas sem expectativas, como quem visita uma cidade pela primeira vez: curiosa, mas distante.
No carro, músicas antigas enchiam o espaço. Eles cantavam, mas sem força, mais para quebrar o silêncio do que por prazer. Cada quilômetro percorrido parecia aproximar o fim, e cada olhar trocado trazia urgência silenciosa.
No destino, Rafael tentava transformar cada momento em memória: o cheiro do mar, a areia quente, a brisa no rosto de Clara. Ela observava, sorvia o momento, mas não se deixava prender.
À noite, deitados lado a lado, Rafael abraçava-a como se fosse a última chance de consertar tudo.
Mas Clara estava tranquila, em paz.
E ele percebeu: amar não é só conquistar, é respeitar o ritmo do outro, mesmo que isso signifique caminhar sozinho no final.
Mês 4 — O Primeiro Confronto

O quarto mês chegou com pequenas faíscas.
Nada de grandes brigas, mas irritações acumuladas: a toalha fora do lugar, o café esquecido na mesa, o olhar de cansaço dela.
Rafael sentia cada detalhe como um alerta: qualquer deslize poderia colocar tudo a perder mais cedo.
— Por que você sempre tem que complicar? — ele soltou uma vez, a voz tremendo de frustração contida.
— Não estou complicando. Só quero paz. — Clara respondeu, firme, sem olhar para ele.
Ele queria mais. Mais atenção, mais envolvimento, mais tempo. Ela queria menos. Menos drama, menos cobrança, menos história antiga pairando sobre cada gesto.
Ele lembrava das noites de álcool, das palavras duras, dos erros que quase destruíram tudo antes. Tentava compensar, mostrar que era diferente.
Ela apenas respirava fundo, mantendo limites.
O quarto mês ensinou algo que ele ainda não queria aceitar: algumas batalhas não podem ser vencidas, e algumas pessoas só querem simplesmente existir sem esforço extra.
Mesmo assim, Rafael continuava tentando. Cada dia era uma chance de fazer dar certo, mesmo que fosse por apenas treze meses.
Mês 5 — O Corpo e a Alma

No quinto mês, a intimidade virou terreno delicado.
O sexo não era mais impulsivo, nem selvagem. Era cuidadoso, quase ritualístico. Cada toque carregava consciência: ele tentando conectar, ela permitindo, mas mantendo distância emocional.
— Eu só quero sentir você aqui, sem precisar de nada mais. — ela disse uma noite, deitada de lado.
— Eu quero mais. Quero que a gente seja feliz até o último dia. — ele respondeu, segurando o impulso de mostrar a ela todas as partes dele que já estiveram fora de controle.
Havia tensão entre desejo e respeito, intensidade e serenidade. Ele tentava provar que podia ser diferente, que merecia uma segunda chance. Ela aceitava, mas no seu próprio ritmo, sem pressa, sem drama.
Cada toque era memória. Cada abraço era tentativa de salvar o que ainda podia ser salvo.
Rafael descobria que amar não era só paixão: era controle, paciência e aceitação, mesmo que o coração quisesse mais.
Mês 6 — Silêncios Reveladores
O sexto mês chegou com longos silêncios.

Não era indiferença, nem frieza. Era espaço. Era reconhecimento de que às vezes o amor se mede no que não é dito.
Rafael passava horas pensando: lembranças de noites de bebedeira, discussões que não precisava ter tido, promessas quebradas. Tudo isso era sombra sobre cada gesto. Tentava controlar a ansiedade, a necessidade de consertar, de convencer Clara a se envolver novamente.
Ela, por outro lado, se movia com tranquilidade. Sentia cada toque dele, cada gesto de cuidado, mas sem se perder. Paz era estar presente sem esperar nada.
No silêncio, eles se estudavam. Olhares cruzados, pequenos gestos, respirações. Ele percebeu que amar também é respeitar o ritmo do outro, mesmo que isso doa.
E ela aprendeu que presença não exige entrega total: podia existir entre eles uma convivência sem pressa, sem drama, mesmo sabendo que o fim se aproximava.
Mês 7 — Momentos de Memória

No sétimo mês, começaram a revisitar o passado.
Fotos antigas, cartas esquecidas, lembranças de viagens e festas que pareciam eternas. Rafael queria reviver o amor, sentir que ainda havia chance. Clara apenas observava, saboreando a memória sem se prender a ela.
Eles riam de coisas que só eles entendiam, choravam de recordações que vinham do fundo da alma. Cada momento era doce, mas também um lembrete silencioso: o fim estava chegando.
Rafael tentava transformar lembranças em oportunidade de conexão, mas Clara permanecia neutra. Ela aceitava os momentos bons, mas não os confundia com promessa de futuro.
Ao final do mês, ambos sentiam a mistura de saudade e gratidão.
Mês 8 — Tensão Crescente

O oitavo mês chegou com pequenos estalos.
Nada de grandes brigas, mas olhares demorados, palavras que poderiam soar duras e ficaram presas na garganta.
Rafael sentia a ansiedade crescer: treze meses começava a pesar, e ele queria mais do que podia ter. Queria que Clara se apaixonasse novamente, queria recuperar tempo perdido, queria mostrar que podia ser diferente.
Clara, por sua vez, permanecia calma. Evitava confrontos, mas cada gesto dele era medido com cautela. Ela não queria drama, não queria pressa, não queria se perder em falsas esperanças.
O oitavo mês ensinou que o desespero por conexão só aumenta a distância quando não há reciprocidade. Mas Rafael continuava tentando. Cada tentativa era um ato de coragem, um esforço consciente contra a própria história.
Mês 9 — O Quase Recomeço

O nono mês trouxe momentos inesperados.
Às vezes, entre o silêncio e a tensão, surgiam instantes de reconexão genuína. Rafael via flashes do amor antigo, lembranças que os faziam rir juntos, planejar pequenas coisas, compartilhar sonhos antigos.
Ela permitia esses momentos, mas com cautela. Não se entregava totalmente, mas não negava também. Era um espaço tênue entre memória e presente, intensidade e serenidade.
Cada toque, cada sorriso, cada olhar era precioso e ao mesmo tempo doloroso. Eles aprendiam que o amor, mesmo que intenso, não garante futuro. Aprendiam que algumas reconexões são temporárias, mas ensinam sobre perdão, paciência e respeito.
Mês 10 — Preparativos para o Fim

O décimo mês chegou com organização e silêncio pesado.
Eles começaram a separar o que iriam levar consigo depois do fim: objetos, roupas, lembranças. Cada coisa guardada parecia carregar mais do que peso físico — eram fragmentos de uma vida juntos, de um amor que já não podia durar.
Rafael escrevia em diários secretos. Registrava cada gesto de Clara, cada momento que ainda podia ser aproveitado, cada fracasso de si mesmo que conseguia controlar. Tentava transformar culpa e arrependimento em cuidado e presença.
Ela observava, silenciosa, aceitando o que precisava ser feito. Paz era não esperar nada, mesmo que sentisse saudade do que existia.
Mês 11 — Últimas Datas Importantes

O penúltimo mês trouxe datas simbólicas: aniversários, feriados, pequenos eventos que antes tinham sido celebrados sem atenção.
Agora, cada um deles carregava o peso da despedida.
Rafael tentava transformar cada encontro em experiência memorável: jantar especial, passeio, presente simbólico. Queria que Clara lembrasse dele não pelo que errou, mas pelo que conseguiu ser, pelo cuidado e dedicação do presente.
Ela aceitava, mas com serenidade. Não se permitia ilusões: apreciava o gesto sem se prender à expectativa de reconexão total.
No final do mês, ambos percebiam: o fim não estava mais distante. Cada gesto, cada palavra, cada silêncio era preparação para o último ato desse amor contado em treze meses.
Mês 12 — O Testamento da Relação

O décimo segundo mês chegou silencioso, mas pesado.
Eles começaram a escrever cartas, mensagens, pequenas confissões. Cada palavra era escolhida com cuidado: perdão, gratidão, arrependimento, amor. Rafael colocava no papel tudo que queria dizer e não conseguia em voz alta. Clara escrevia também, mas suas palavras eram mais contidas, equilibradas — um registro da serenidade que havia conquistado.
Os gestos tornaram-se ritualísticos: café da manhã sem pressa, abraços mais longos, risadas suaves, conversas sobre coisas simples que nunca haviam falado antes. Cada ato era lembrança, cada olhar, memória.
O décimo segundo mês foi sobre preparação emocional, sobre entregar o que podia ser entregue e guardar o que precisava ficar em silêncio.
Mês 13 — O Fim

Chegou o último mês.
O dia final não teve gritos, não teve lágrimas descontroladas, não teve portas batendo. Teve café da manhã juntos, um abraço longo, e o silêncio mais pesado que já existiu entre eles.
Rafael entregou suas cartas. Clara leu. Ele leu as dela. Cada palavra foi absorvida, respirada, guardada.
Eles se despediram com maturidade, como quem aprendeu que o amor não precisa de final dramático para ser verdadeiro.
Ele sentiu a dor da ausência, mas também a leveza de ter lutado até o último momento, de ter cuidado, de ter tentado sem perder a si mesmo.
Ela sentiu a paz que buscava: adeus sem rancor, amor respeitado, tempo respeitado.
O pacto terminou. Treze meses, quase uma década de história, transformados em lembrança.
Cada um seguiu seu caminho. O amor não morreu, mas se transformou: em memória, aprendizado e respeito.
E, talvez, isso fosse o suficiente.
Epílogo
Eles não se encontraram mais.
Não houve encontros fortuitos, nem mensagens enviadas por impulso.
O que existia entre eles ficou guardado, como fotos antigas em uma caixa no fundo do armário: presente, mas fora do alcance.
Rafael continuou sua luta diária: contra o passado, contra os fantasmas do álcool, contra a necessidade de controlar tudo. Aprendeu que amar também é deixar ir, mesmo quando o coração implora para ficar.
Clara encontrou sua paz. Pequenos rituais do cotidiano, silêncio e liberdade. O fim não foi tragédia, foi escolha.
Às vezes, ele se pega lembrando do cheiro do café pela manhã, do toque da mão dela, do jeito que ela olhava para o céu sem pressa.
Ela, às vezes, sorri sozinha ao lembrar de um gesto dele, uma piada interna, uma viagem que ficou marcada para sempre.
Treze meses não apagaram a história.
Treze meses transformaram-na em memória, aprendizado e leveza.
E talvez seja isso que o amor realmente queira: não ser eterno, mas ser lembrado com verdade.