Quem adentrar ao pátio interno da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, no centro de São Paulo, ficará surpreso ao ver no seu interior um magnífico túmulo.
Pois é, o túmulo é algo tão marcante que foi tombado pelo Patrimônio Histórico.
Vou tentar descrevê-lo:
Na sombra das arcadas internas daquele prédio, o espetacular túmulo foi construído no estilo neoclássico, sobre plataforma quadrilátera, toda em pedra, com três degraus, encimado por um obelisco de cerca de quatro metros de altura.
Todo o monumento está amparado por um gradil de ferro, preso por quatro pilastras, cujas pontas estão adornadas por elaboradas estatuetas de mochos (corujas simbolizando sabedoria, conhecimento, mistério etc.). Além disso, nos quatro cantos do monumento erguem-se colunas de pedras, com as partes superiores ricamente adornadas.
O mais interessante está na base do obelisco, onde vê-se uma inscrição em latim, anunciando que, sob aquelas pedras, encontra-se enterrado o corpo do professor Júlio Frank, nascido em 1808 em Gotha, na Alemanha e falecido em São Paulo, em 1841.
Mas, afinal, quem é ele? Como ele obteve o privilégio único de ser enterrado no pátio de tão prestigiosa instituição?
Pois é, o mistério é grande e as dúvidas maiores ainda, mas, vamos ao que sabemos:
Os registros oficiais dão conta que Johann Julius Gollfred Ludwig Frank, nasceu em 08/12/1808, no ducado de Saxe-Coburno-Gotha, na atual Alemanha (na época a Alemanha ainda estava fracionada em ducados e principados).
Há quem afirma que ele era um príncipe da realeza do Ducado de Gotha que, por motivo desconhecido, foi entregue aos seus pais “oficiais” ainda bebê. Talvez, justamente por isso, teve uma infância difícil e quando tinha por volta de 12 anos foi expulso de casa e abandonado a própria sorte.
O mesmo não aconteceu com os seus estudos acadêmicos, pois, estranhamente, alguém daquela mesma realeza custeou tudo, desde o primário até a Faculdade e, apesar de muito jovem ainda e dos percalços da sua personalidade arredia, tornou-se um intelectual de primeira grandeza, conhecedor profundo de letras, filosofia, história e, principalmente línguas, onde falava fluentemente, além do alemão, o francês, o inglês, o latim, o grego e o russo.
Sua vinda ao Brasil é outro mistério:
Há quem afirma que ele se tornou um “fardo” pesado demais para a realeza de Gotha e foi despachado para longe. Outros afirmam que ele adquiriu dívidas impagáveis e por isso fugiu.
O fato é que alguém também custeou a sua vinda para o Brasil e quando desembarcou no Rio de Janeiro, foi preso por uma acusação do capitão do navio, cujo motivo até hoje gera discussão.
Depois de algum tempo ele foi libertado e, sem dinheiro e com as roupas esfarrapadas, perambulou pela cidade maravilhosa até estacionar em uma bodega de quinta categoria, onde trabalhava pela comida e um cantinho para dormir.
Por mero acaso conheceu três moços paulistas que tinham ido conhecer o Rio de Janeiro e com eles veio para São Paulo, indo parar na cidade de Sorocaba, na sede da Fundição Ipanema, onde alguns dos seus patrícios trabalhavam.
Desentendeu-se com a administração da empresa, ao que tudo indica, devido aos maus tratos aos escravos que lá trabalhavam e acabou exercendo a função de caixeiro (vendedor) em um armazém, nas cercanias da cidade, também em troca de comida e pouso.
Ali a fama de intelectual do alemão, ou “Lamão”, como era conhecido, chamou a atenção dos jovens abastados da cidade que pretendiam fazer o curso de direito na capital paulista.
Foi então que ele passou a dar aulas particulares a esses jovens e, quando chegou a época de prestar o concurso, em São Paulo, aqueles mesmos jovens o trouxeram junto e ele passou a viver em uma república de estudantes.
Na Capital, continuou dando as suas aulas particulares e a sua fama foi só crescendo até que foi admitido como professor de história, geografia e filosofia, nos cursos anexos da Faculdade de Direito, do Largo São Francisco.
Como professor ele percebeu as dificuldades que os alunos mais pobres tinham em manter os seus estudos e pensou em fundar uma associação secreta para ajudá-los, ao estilo do que já existia na Alemanha, chamada de Burschenschaft (confraria de camaradas, em sua tradução livre).
A figura mística, intelectual e inacreditavelmente humana do Júlio Frank, não teve a menor dificuldade em implantar a Burschenschaft Paulista, cujo nome foi logo abrasileirada para “Bucha”.
Por incrível que possa parecer, essa estranha palavra alemã, difícil de escrever e de pronunciar, foi tão bem aceita que passou a ser copiada por outras instituições pelo Brasil e confundiu-se, não só com a história da pujante São Paulo, mas com a do próprio Brasil da época.
Alguém chegou a afirmar:
“É impossível descrever a independência do Brasil, sem falar na Maçonaria, assim como é impossível falar na república velha, sem falar na Bucha”.
Para se ter uma ideia melhor de onde chegou a “Bucha do Júlio Frank”, todos os presidente brasileiros da chamada república velha eram membros dela, com exceção de apenas um, o Epitácio Pessoa, mas, a quase totalidade dos grandes nomes da época, também eram membros, tais como: Ruy Barbosa, Campos Sales, Castro Alves, Quintino Bocaiúva e tantos outros.
Apesar da sua genialidade e fama, o Júlio Frank era relaxado com a sua saúde e isso teve o seu preço: quando contava com pouco mais de 32 anos, teve uma forte pneumonia e veio a falecer.
Foi aí que surgiu a grande dúvida: onde enterrar tão ilustre figura?
Embora ele não exercesse qualquer atividade religiosa, vinha de uma família protestante e isto impediu o seu enterro nos cemitérios católicos da cidade.
Foi quando surgiu a ideia de enterrá-lo no pátio da Faculdade, mas o Bispo da cidade foi contra, alegando que o prédio da Faculdade, tinha sido, em outros tempos, um convento católico, portanto, era um terreno sagrado.
Foi preciso a interferência do Conselheiro Brotero, à época na direção da Faculdade, que “peitou” o Bispo, conseguindo, assim, que o nosso herói fosse lá sepultado, com todas as honras possíveis, inclusive com aquele belo túmulo que foi custeado pelos próprios alunos e lá se encontra até os dias atuais.
Que a paz esteja com todos.
Darci Men