O Criador de Calcinhas

Em 1480, quando o Papa Sisto IV encomendou a construção de uma capela papal, certamente ele não imaginou que aquele local ficaria tão famoso.

Agora, no início de maio do ano de 2025, mais de cinco séculos depois, esta mesma capela está pronta para mais um conclave com o objetivo de eleger um novo sucessor ao trono de São Pedro. Então,fica a pergunta:

Por que a Capela Sistina é tão famosa?

Certamente não é pela beleza externa da construção, tampouco pelo seu tamanho (14×40 metros), mas, sobretudo, pelo seu famoso teto abobadado de 3.300 metros quadrados à 18 metros de altura. Nele estão as incomparáveis pinturas de Michelangelo, tão apreciadas por quem ama a arte, seja ele devoto ou não da fé cristã.

Apesar de todo o esplendor daquelas pinturas, ainda assim teve muitas críticas, quase todas devido aos diversos personagens nus encontrados na sua composição.

(Michelangelo entendia que o corpo humano é o exemplo perfeito da manifestação divina e, justamente por isso, devia ser retratado em sua forma natural).

Um dos maiores críticos da sua obra foi o Cardeal Biaggio de Cesena que, na época em que Michelangelo trabalhava na pintura do Juízo Final, Cesena era mestre de cerimônias do Papa Paulo III.

É sempre bom lembrar que foi o sobrinho do Papa Sisto IV, o também Papa Júlio II que, em 1508, foi o primeiro a contratar Michelangelo para pintar o teto da Capela Sistina. Mas Júlio II morreu em 1513 e a obra ficou incompleta. Somente em 1534, já no papado de Clemente VII, que o famoso artista foi novamente contratado para pintar a parte restante, conhecida como Juízo Final.

No entanto, Clemente VII também morreu antes que o pintor recomeçasse a obra e tudo parou novamente. Somente em 1536, para sorte do famoso artista e de todos nós que amamos a arte, Michelangelo foi novamente contratado pelo Papa Paulo III

Voltando ao Cardeal Cesena, quando o formidável artista dedicava toda a sua força física e intelectual na obra do Juízo Final, não conseguia trabalhar sossegado devido às constantes reclamações do mestre de cerimônias do Papa e, farto de suportar tanta chatice, o artista resolveu pregar-lhe uma peça, retratando-o, em sua obra, na figura de Menis ou Minos, o juiz do inferno (ver a foto deste post).

(Para quem não sabe, Menis ou Minos, o mesmo que aparece na famosa obra A Divina Comédia”, de Dante, é um personagem pagão da antiga Grécia. Contudo, tem quem sustente que a figura retratada por Michelangelo, nada tem nada a ver com o personagem da mitologia grega, mas esta é outra história).  

Voltando ao Cardeal Cesena, quando ele percebeu a vingança do pintor, foi reclamar ao Papa, implorando para que a sua santidade interviesse e obrigasse o artista a refazer aquele rosto. No entanto, Paulo III, acabou se divertindo com a questão, respondendo ao seu mestre de cerimônias:

Se ele o tivesse colocado no purgatório, eu poderia fazer um esforço e retirar-te de tal lugar, mas estás no inferno, meu caro, e bem sabes que ali se entra e não se sai mais”.

Resultado: até hoje o infeliz Cesena continua retratado no inferno de uma das maiores obras de arte que a humanidade já conheceu.

Voltando a questão dos nus da famosa pintura, não foi só o Cesena quem reclamou e, muitos anos depois, mais precisamente um ano após a morte de Michelangelo, no Concílio de Trento, foi aprovada a “correção” dessas pinturas.

Assim, em 1564, o Papa Pio V, contratou o pintor Daniele da Volterra, que acrescentou pequenas toalhas nas partes púbicas dos personagens, mas o pintor, apesar de cumprir com maestria a sua função, acabou pagando um alto preço por isso, pois ficou conhecido como Il Braghettone, “O Criador de Calcinhas”.

Mais tarde, essa correção foi novamente revertida com a remoção das “toalhas” de Volterra, exceto para alguns personagens, como o São Pedro, São Bartolomeu, Santa Catarina de Alexandria e outros, que ainda vestem as “calcinhas”.

Que a paz esteja com todos.

Darci Men.

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