A mansão parecia respirar.
Entre muros altos de vidro blindado, iluminados por refletores azulados, havia um jardim que não existia em nenhum outro lugar de São Paulo. As flores não vinham da terra, mas da carne.
Corpos de crianças híbridas, enterradas até o pescoço, brotavam como raízes vivas. Seus olhos brilhavam em tons fosforescentes, e da boca entreaberta saíam hastes luminescentes, pétalas pulsando como lâmpadas orgânicas. Algumas gargantas emitiam sons contínuos, gemidos alongados que, em conjunto, formavam uma música ambiente: um coral de dor.
Os convidados chegavam em carros elétricos blindados. Homens de ternos feitos de fibras de carbono, mulheres com vestidos que projetavam hologramas cintilantes sobre o tecido, todos eles equilibrando taças finas. O líquido dentro era espesso, rubro, cintilante sob a luz artificial.
— Safra de 2142 — dizia o anfitrião com orgulho, erguendo a própria taça. Seu rosto era esticado por próteses de titânio que substituíam as maçãs do rosto. — Sangue humano artificial, cultivado em laboratórios militares. Cada gole traz a doçura da memória genética de quem um dia morreu para produzi-lo.
Os convidados brindavam, gargalhando em sussurros. Entre um gole e outro, caminhavam pelos canteiros vivos, rindo baixo, como se apreciassem uma orquestra exótica.
Uma mulher tocou o cabelo fosforescente de uma “flor” com a ponta dos dedos e sorriu. A criança tremeu e deixou escapar um grito prolongado. A mulher suspirou, como se tivesse sentido prazer.
No centro do jardim, erguia-se a mais estranha de todas as árvores: uma fusão de tronco metálico com raízes de nervos expostos. De seus galhos, pingava uma seiva escura, quase preta, que cheirava a ferrugem e mel. E sob essa árvore, enterrada até o peito, havia uma criança diferente.
Seus olhos não eram apenas luminescentes: refletiam o mundo ao redor. Olhos profundos, como espelhos partidos, que pareciam observar e julgar. Ao contrário das outras, ela não gemia em sofrimento. Murmurava.
No início, os visitantes não notaram. Mas quando se aproximavam do tronco, ouviam uma voz sussurrante, como vento passando por fios elétricos:
— Fiquem… fiquem comigo… eu sei o que vocês desejam…
Um dos executivos, embriagado pelo sangue artificial, ajoelhou-se diante dela. Segurou o queixo metálico da criança, forçado contra a terra.
— O que você disse, florzinha?
Ela sorriu, um sorriso pequeno, rachado. E a terra ao seu redor tremeu. As raízes da árvore se moveram como serpentes, envolvendo os braços do homem, puxando-o lentamente para o chão. Ele gritou, mas seu grito se misturou ao coro das outras crianças-flor, agora em êxtase.
A plateia primeiro achou que fosse parte da exibição. Aplaudiram, encantados com o realismo da cena. Mas quando o corpo do homem foi sugado até metade no solo e apenas sua cabeça restou exposta, com olhos em pânico, o pavor começou a se espalhar.
A árvore continuava a sussurrar, agora em várias vozes, como se cada folha, cada raiz falasse:
— Dor é prazer… prazer é eternidade… juntem-se a nós…
Mulheres tropeçaram com seus vestidos holográficos tentando correr. Homens derrubaram taças, o sangue artificial respingando como rubis líquidos sobre a grama artificial. Mas a terra viva já se movia, sugando-os, prendendo tornozelos com raízes afiadas, rasgando carne e tecido.
A criança-árvore erguia o rosto para o céu artificial da cúpula da mansão. Seus olhos refletiam cada convidado como se fossem espelhos negros. E em cada reflexo, o mesmo destino: corpos ricos transformando-se em flores luminescentes, gemendo em dor e prazer ao mesmo tempo.
O anfitrião, aterrorizado, tentou correr para dentro da casa, mas ao olhar para trás viu sua esposa já se transformando. Da boca dela brotava um caule fosforescente, rasgando as bochechas, emitindo um canto desesperado.
— Não! — gritou, antes de ser engolido pela terra.
O jardim estava completo. O silêncio voltou, quebrado apenas pelo som das novas flores: executivos, socialites e magnatas, agora convertidos em corolas vivas, suas vozes compondo um hino fúnebre e belo, carregado de agonia.