A BATALHA DA MADRUGADA

Naquela madrugada, eu dormia como um anjo e me imaginava no melhor dos mundos.
Repentinamente, tudo mudou!
Acordei com minha esposa me sacudindo, quer dizer, acho que acordei. Bem, leia mais e vai entender…
– Pai, acorda, pai… – dizia ela naquele seu jeito todo especial de me chamar.
– O que foi? – respondi eu, bocejando e tentando entender o que estava acontecendo.
– Levanta daí – insistiu ela –, tem um rato na casa.
Pensei comigo mesmo “Então é isso! Só me faltava essa! Levantar agora para ir atrás de um mísero ratinho invasor? Que chance eu tenho de pegar um ratinho em plena noite?”.
Fiquei indeciso por algum tempo: “Levantar ou não levantar, eis a questão!”.
Não levantei, porém a consciência pesou e fiquei pensando “Está certo!”, continuei raciocinando, “Ele invadiu meu território e minha propriedade. Mas, pensando bem, e, até onde sei, ainda não existe nenhuma associação de ratos do tipo MRST (Movimento dos Ratos Sem Teto). Portanto, deve ser um ‘desgarrado’ qualquer que perdeu o rumo e foi parar justo na minha casa”.
Confesso que estava indeciso sobre o que fazer, mas aquela cama quentinha e aconchegante falou mais alto, então eu me ajeitei melhor na cama e falei:
– Deixa o bichinho em paz e venha dormir, ir atrás dele a esta hora da noite é perda de tempo. Ele é muito esperto e não vamos conseguir pegá-lo. Amanhã nós colocamos uma armadilha ou coisa parecida.
Ela continuou insistindo:
– Vamos, levanta daí! Eu não consigo dormir com um rato circulando por aí.
Fiquei com dor na consciência e quase levantei, mas, novamente, a danada da cama quentinha falou mais alto.
Ela insistiu mais algumas vezes até que desistiu, quer dizer, desistiu de mim, não do rato! Ouvi-a arrastando móveis pra lá e pra cá à caça do bichinho.
Mais uma vez, a consciência pesou e eu já estava levantando quando pairou um estranho silêncio. Recuei e fiquei tentando ouvir algo que me informasse o que estava acontecendo, até que soou o inconfundível ruído do telefone discando (naquela época, os telefones tinham um barulhento disco de chamada).
Foi então que pensei “O que ela vai fazer agora? Chamar a polícia?”. Não, logo concluí. “Deve ser outra coisa… Será que já existem empresas especializadas em caçar ratos na madrugada ao estilo daquele filme ‘Os caça-fantasmas’?”
Por um instante, imaginei um furgão estacionando em frente à minha casa, com as sirenes ligadas e enormes letreiros escritos “Caça ratos. Satisfação garantida ou o seu dinheiro de volta”. Ou seria: o seu rato de volta?
Não era nada disso! Ela ligou para irmã, que morava ao lado. Ouvi-a dizendo:
– Venha me ajudar, tem um rato aqui em casa, e o preguiçoso do meu marido não quer nem saber.
Fiquei pensando “Não acredito! Ela foi incomodar a irmã essa hora da noite. Duvido que ela venha ajudá-la”.
Queimei a língua! Não demorou quase nada e a irmã chegou.
“E agora?”, pensei comigo mesmo, “Vou dar uma de ‘João sem braço’ e assistir de camarote pra ver o que acontece. Vai ser divertido ver como elas vão caçar o bichinho”. Por um breve momento, lembrei-me daquele slogan dos sindicalistas: as irmãs unidas, jamais serão vencidas…
Ouvi a conversa delas na cozinha e, por um instante, me veio à mente aquelas cenas de filmes de guerra em que os generais discutem a estratégia da batalha:
– Eu fico com essa vassoura e você com o rodo. Eu vou lá afugentá-lo e, quando ele sair, você o acerta, tubo bem?
– Claro! – respondeu a outra, toda confiante. – Aqui ele só passa se for por cima do meu cadáver!
Nessa altura, lembrei-me ainda da Primeira Guerra Mundial, quando, na Batalha de Verdun, o general francês Pétain disse uma frase que ficou famosa: “On ne passe pas” (Aqui não se passa).
Bem, tive de admitir: o estado de confiança das duas “guerreiras” era impressionante! Não sei se era meu estado sonolento, mas juraria ter ouvido o rufar dos tambores e a marcha dos soldados em direção à terrível batalha! E que batalha!
– Olha ele ali! Pega! Acerta ele! – Gritava uma e os canhões não paravam de cuspir fogo, quer dizer, os rodos não paravam de bater aqui e acolá: plá, pam, pum, vaaap…
– Droga, você deixou o danado escapar! – gritava a outra – Cuidado! Está atrás de você!
Até que algo pesado caiu e um silêncio sepulcral tomou conta do recinto. Fiquei pensando “O que aconteceu agora? Intervenho ou não? Vão acabar destruindo a minha casa!”.
Não tive resposta e pensei “Será que elas liquidaram o bichinho?”. Por um instante, imaginei as duas guerreiras em uma emocionante cena ao lado do corpo inerte do infeliz…
E que cena mais comovente… Digna de colocar o cinema de Hollywood no chinelo. Juro que vi as duas guerreiras, com os peitos estufados, em posição de sentido e fazendo a continência, prestando, assim, as últimas homenagens ao valoroso inimigo morto.
Dei com os burros n’água e não foi nada disso! O barulho que eu tinha ouvido não foi o de uma cacetada certeira, como eu tinha imaginado, mas apenas o de um velho móvel que caiu. Quanto ao silêncio, não passou de uma pequena pausa para recobrar as forças. Não demorou muito e ouvi uma delas chamando a outra para retomar a batalha:
– Vamos! O que você está esperando?
– Tô cansada! – respondeu a outra – Me deixa tomar um fôlego.
Senti que o ânimo já não era mais o mesmo, pois aquela trégua não estava no script. “Acho que desistiram!”, pensei comigo mesmo, “Finalmente vou poder dormir”.
Enganei-me novamente! Mal tive tempo de respirar e a batalha voltou com mais intensidade ainda!
Eram móveis arrastados de um lado pra outro, pancadaria aqui e acolá, gritos estridentes e sons horripilantes. Os canhões, ou melhor, as “vassouras voadoras” a todo vapor: plá, pam, pum, vaaap…
De repente, ouvi um potente grito de guerra. Ou seria um grito de pavor? Fiquei na dúvida! Em qualquer caso, eu garanto: era de fazer inveja àqueles filmes de Alfred Hitchcock! “O que será que aconteceu agora?”, fiquei me perguntando. Logo descobri…
– Que foi? – perguntou uma delas – Acertou ele?
– Não, sua tonta! – respondeu a outra, toda chateada – Não vê que eu acertei o meu próprio pé!
Fiquei imaginando a cena, em câmara lenta, em um desses televisores de alta resolução:
Primeiro, aparece o ratinho voando sobre o pé dela. Era possível observar suas perninhas e seu enorme rabo balançando no ar e o seu olhar de terror vendo o rodo passar a milímetros da sua cabeça, indo acertar em cheio o dorso do pé da infeliz. O impacto foi tão grande, que o rodo chegou a rodopiar em seu próprio eixo, parecendo uma hélice de avião sendo ligada. Enquanto isso, a guerreira olhava desesperada para o seu próprio pé, não acreditando no que tinha acontecido! Nesse exato instante, a câmera foca no rosto dela e a expressão de dor e raiva ao mesmo tempo é assustadora! Seu grito ecoa tão forte que a imagem treme e fica desfocada. Meu Deus, que garganta!
– Para mim, chega! – comentou a pobre coitada, massageando o dolorido pé ferido.
Enquanto isso, eu criticava a mim mesmo, pois já imaginava que algo assim aconteceria. Mas, e o rato? O que teria acontecido com ele? Fiquei me perguntando.
Não tive resposta. Depois de raciocinar um pouco, concluí que ele tinha fugido. No entanto, pela ferocidade das duas guerreiras, o bichinho deve estar correndo até agora!
Elas alardearam por aí que tinham vencido a batalha, mas eu acho que o ratinho deve estar dizendo a mesma coisa, porém, com toda certeza, ele vai pensar duas vezes antes de invadir meu território porque na minha casa as irmãs unidas, jamais serão vencidas…
Fim

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