O observador de formigas

Sempre que chego aqui me acontece uma espécie de rearranjo mental, em que o que até bem pouco era um problemão, transmuta-se em algo semelhante em tamanho, alcance e mobilidade a uma formiga insignificante perdida entre outras formigas.

É assim que meu pensamento caminha quando observo as pessoas deslizando por ruas em geral.

Eventualmente, elas se tornam numerosas a ponto de incomodar. Claro que posso pisá-las, mas eu as deixo andando por aí, em busca de alimento, em busca de algo que dê algum sentido à sua vidinha desgraçada. Não sei por que não piso em todas, ou arranjo algum veneno poderoso vendido ilegalmente em depósitos de material para construção ou pet shops de fundo de quintal.

Temo que elas possam se juntar e vir morder meus pés, fazendo com que eu fique me coçando, e isso é realmente irritante.

Lembro de ter visto um filme quando criança em que uma horda de formigas assassinas aterrorizam uma cidade, devorando pessoas.

Este tipo de coisas só acontecem em filmes, ou em revoluções.

negrinho do pastoreio formiga fantasmaAh! Tem a história do negrinho do pastoreio também, que foi deixado, por seu patrão malvado, em um formigueiro para ser devorado e depois virou uma espécie de entidade sobrenatural em busca de vingança contra o canalha que o havia matado (não me lembro se era sim, mas gosto de imaginar a história com o menino sendo devorado por formigas místicas de um antigo cemitério indígena, voltando dos mortos com poderes de formigas fantasmagóricas).

E agora aqui estou, quase saindo de um buraco da minha existência, onde me enfiei por meses, sem rumo, sem uma luz que me indicasse o melhor caminho a seguir.

Aliás, houve algumas luzes, mas levaram a armadilhas. Decidi confiar então em meus ouvidos e instintos, e nos aromas. Agora sim consigo sentir um pouco melhor as belezas do mundo que se apresenta ao meu redor.

Claro que tudo pode não passar de ilusão. Minha mente cansada do escuro, da solidão, rompeu com a sanidade e criou algo para me fazer viver mais, do desespero criou-se a vida, e, mesmo sabendo da farsa, continuo porque é melhor assim do que a dor da existência nula.

Então crio um mundo, e acabo enchendo-o de pessoas-formigas só pra ter aquele movimento, aquele vai e vem, mas só eu sei que apenas algumas delas são realmente importantes. Só não sei quem são.

 

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