O pescador

Baseado em fatos reais

A relação do homem com os peixes é tão antiga quanto a própria história da humanidade.

Mas o que eu pretendo é contar um pouco da história de um pescador recreativo, ou seja: aquele que pesca por prazer, além de prestar uma homenagem a uma pessoa incrível que, com sua simplicidade e seu jeito de ser, ensinou-me belas lições de vida.

Trata-se de José Martinez Requena, o Pepe (8.10.1917-8.3.1984).

Eu sempre tive a curiosidade de saber por que os espanhóis colocam o apelido de Pepe para quem chama se José, mas nunca dei muita atenção e o tempo foi passando.

A explicação veio por acaso, quando, certo dia, um colega me mandou algumas curiosidades e entre elas dizia:

“Nos conventos da Idade Média, durante a leitura das Escrituras Sagradas, ao se referir ao São José, diziam sempre: Pater Pretativos, ou seja: Pai Suposto e abreviavam para P.P. Assim surgiu o hábito, nos países de colonização espanhola, de chamar o José de Pepe”.

Pepe nasceu na Andaluzia (Andalucía para os castelhanos), uma província ao sul da Espanha e próxima de Portugal.

É uma região antiguíssima e lá viveram fenícios, gregos, cartagineses, romanos, vândalos, visigodos e, principalmente, os muçulmanos que dominaram a região por oito séculos e só deixaram a região depois da conquista de Granada pelos “Reis Católicos” em 1492.

Aliás, Andaluzia vem de Al-Andalus, nome dado pelos muçulmanos à Península Ibérica no século VIII.

Sua infância e juventude foram difíceis, pois a região era muito pobre e dominada por latifundiários, militares e pela Igreja Católica, enquanto a população passava fome.

Além disso, era uma guerra após a outra, às vezes pelo poder, como a ditadura de Primo Rivera (1923-1930), outra por questões ideológicas, como a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), da qual o pobre Pepe e sua família participaram e sofreram coisas terríveis.

Essa guerra simplesmente arrasou toda a Espanha.

Pepe contou-me que os fuzilamentos eram quase diários e os historiadores calculam que ocorreram mais de 400.000 mortes, sendo apenas 1/3 delas na guerra.

A renda per capita caiu em mais de 30%. Aliás, contam ainda os historiadores, que essa foi uma guerra civil “internacionalizada”, pois de um lado Franco, que depois se tornaria ditador por muitos anos, tinha o apoio dos nazistas alemães, dos fascistas portugueses e italianos; e os republicanos contavam com o apoio de Stalin, da União Soviética e de milhares de voluntários esquerdistas de 53 nações de toda a Europa.

Guernica - Pablo PicassoDizem ainda os historiadores que essa guerra foi “alimentada” pela Alemanha e outros países europeus que, após a Primeira Guerra Mundial, “testavam” novos armamentos lá (quem conhece a história da obra prima de Picasso “Guernica”, sabe bem disso).

Nesse “mundo” tumultuado vivia Pepe, até que em 18.1.1942, em Barcelona, casou-se com sua prima, Josefa Perucha de Martinez, a Pepa e, em 2.8.1944, tiveram a primeira filha, Magdalena Martinez Perucha, a Mada.

Em 1950 ele resolveu procurar um lugar melhor para viver, deixou a família em La Carolina, uma cidadezinha da província de Jaén, na Espanha, onde morava e, em companhia do amigo Henriques, partiu para as Ilhas Canárias, mas não gostou de lá e partiu para o Brasil, desembarcando no Porto de Santos em 25.2.1951.

Aqui, em São Paulo, na Vila Diva, começou a trabalhar com móveis e mais tarde montaria uma fábrica de “copas” (móveis de cozinha) e naquele mesmo ano, sua esposa e a filha também vieram para o Brasil e desembarcaram no Porto de Santos em 11.10.1951.

Mais tarde traria também sua sogra, a saudosa Mama Petra – como eles a chamavam (uma verdadeira mãe para ele) –, além de irmãos e cunhada.

Em 25.1.1953 o casal teve mais uma filha, Maria dos Anjos Martinez Perucha, a Angélica, que mais tarde seria a minha esposa.

Pepe tinha uma personalidade única, não era um individualista, mas dificilmente se apegava muito às pessoas e seus amigos eram variados.

PepeefamíliaGostava de festas, mas sempre a seu modo e a “fartura” que alcançou aqui, contrastava muito com a fome que passou durante sua infância e juventude.

Assim, ele vivia promovendo festas com muita comida e bebida.

Ele era um artesão e fazia verdadeiras obras de arte com móveis, gostava de jogar snooker e dominó, neste jogo ele era quase imbatível, mas o que gostava mesmo era de pescar.

Lá pelos idos de 1975, eu ia até sua casa para namorar a Angélica, mas ele me chamava para sua “oficina” de móveis que ficava ao lado e, no meio do galpão, acendia um fogo improvisado e assava uma costela e, entre umas e muitas doses de whisky, ficava me contando suas histórias.

Como já disse, ele adorava pescar, e sempre, mas sempre mesmo, vivia me convidando para ir pescar com ele, mas eu, que não gostava muito de pescaria, sempre adiava.

Claro que nessas ocasiões o que eu queria mesmo era namorar, mas confesso, gostava de ficar conversando com ele e era recíproco, pois em várias ocasiões ele me confidenciava até seus problemas particulares.

Era um péssimo motorista e, certa ocasião, foi levar a família e amigos para uma pescaria na região do Riacho Grande (próximo de São Bernardo do Campo).

Apesar do alerta dos demais passageiros, passou a entrada e quando percebeu já estava no pedágio da Anchieta, parou o carro no meio da estrada e ficou sem saber o que fazer, até que uma viatura da polícia rodoviária o obrigou a seguir em frente e ele teve que pagar o pedágio e retornar quilômetros à frente.

Em outra ocasião foi levar os amigos para pescar em sua Belina novinha e o carro atolou: só puderam resgatá-la dois dias depois.

Outra vez foi pescar de tarrafa (para quem não sabe, a tarrafa é lançada com as duas mãos e com a boca) e, quando foi lançá-la, foi-se junto sua dentadura e, o mais incrível: anos depois ele foi pescar no mesmo local e encontrou sua preciosa dentadura e voltou para casa mostrando para todos a sua façanha.

Um dia, de tanto ele insistir eu aceitei ir com ele pescar. Levei comigo minha mãe e meus dois irmão, ainda garotos.

Fomos com a sua Veraneio lotada, lá pelos “fundos” da Represa Billings e o Pepe que já tinha tomado uma e tantas outras ia, com seu jeitão único, contando um filme do “Gordo e o Magro” que tinha assistido e que, pelo modo como ele contava, ficou gravado na memória de todos.

O filme retratava os dois “heróis” em um trem a vapor fugindo de alguma coisa e como não tinham mais lenha para alimentar as caldeiras, um deles ficava gritando “mais lenha” e o outro passou a utilizar a madeira do vagão até ficar só com a locomotiva.

Pepe, onde você está certamente não tem o whisky que você tanto gostava, mas não vai faltar colega de pescaria. Pra começar, não se esqueça que São Pedro também era um pescador!

Por Darci Men (por enquanto, perdido na selva…)

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1 comentário em “O pescador”

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