Os Ossos do Imperador – 4 – Parte Final

VI – Outra Missão

O comandante voltou e me chamou para dentro da casa, entrei e notei que dona Marta estava sentada em um sofá em estado lastimável, seu lindo vestido estava manchado de sangue e na testa um pano também ensanguentado, perguntei:

— Foi grave assim?

O comandante deu um sorriso e respondeu:

— Não! É menos grave do que parece. – E continuou: — Hoje o senhor foi ótimo, parabéns, mas tenho outra missão para o senhor. – Pensei comigo: “Já está me chamando de senhor ao invés de Soldado, a coisa está melhorando!”. Ele continuou: — Como pode ver a Marta não pode continuar, você vai levá-la para a casa de sua mãe e depois vá até o Museu do Ipiranga e se apresente ao Coronel Ferreira, aqui está o endereço.

Olhei o papel, nem vi direito o nome da rua, mas vi Vila Prudente, logo pensei: “Fácil, é aqui perto.”

A coisa estava tão tumultuada que só então reparei que os donos da casa estavam em um canto, quietos, era um casal já com idade avançada, lá pelos 60 anos ou mais e uma menina de 15 ou 16 anos, não sei por que, mas olhei para eles e falei:

— Muito obrigado por tudo.

oficialEntra o Sargento anunciando:

— O carro chegou, já podem ir.

O comandante olhou para mim e disse:

— Tenho compromissos e não posso ir com vocês.

Eu pensei um pouco e perguntei ao Comandante:

— Vamos ter escolta?

Ele olhou para o Sargento que balançou a cabeça negativamente e respondeu:

— Não, não vemos necessidade.

Eu insisti:

— Pode ter mais dessa gente por aí e podem pensar que o Comandante está no carro escondido.

O Comandante pensou um pouco, olhou para o Sargento e disse:

— Ele tem razão, não custa ter precaução, arrume uma viatura e alguns soldados bem armados para acompanhá-lo.

O Sargento saiu meio contrariado e foi tomar suas providências.

Dona Marta estava “acabada”, não dizia nada, mas levantou-se e nos acompanhou para fora, notei que cambaleava um pouco, mas foi, e quando eu vi o carro olhei para o Sargento com ar de reprovação, era um Volkswagen TL já bem surrado e ele entendeu meu olhar falando:

— Era o que tínhamos disponível no momento.

Eu abri a porta para dona Marta entrar e perguntei ao Sargento:

— Como pego a Avenida dos Estados? E a escolta está pronta? – O Sargento indicou-me o caminho e disse que poderia ir pois a escolta já estava pronta. Entrei no carro, saí e uma caminhonete rural verde do exército, sem capotas, com alguns soldados dentro, me seguia de perto.

Quando cheguei a Avenida dos Estados perguntei à dona Marta, que estava no banco dos passageiros:

— Dona Marta pode me ajudar com o endereço da sua mãe? – Ela não respondeu, olhei para ela e estava inerte encostada no banco. Pensei: “PQP! Só me faltava essa!”

Encostei o carro e fui examiná-la: estava desmaiada, mas seu pulso estava normal, dei-lhes uns tapas no rosto para ver se acordava e nada, um dos soldados da escolta chegou perguntando:

— O que houve? Porque parou? – Informei-o que a mulher desmaiara e ele, ao invés de me ajudar, veio com outra pergunta: — O que você vai fazer?

Eu respondi:

— Sei lá, não sou médico, tenho de levá-la para um hospital.

jipeEnquanto conversávamos notei que ela começou a “voltar”, eu perguntei:

— Dona Marta, tudo bem?

Pergunta idiota, a mulher estava mais branca que neve, mas ela respondeu:

— Acho que desmaiei, estou tonta, ajude-me a sair do carro para respirar ar fresco.

Ajudei-a enquanto olhava a Avenida um lado e depois o outro procurando algum lugar para ela ficar e só via terrenos baldios e casas mal conservadas, olhei para a viatura da escolta e os soldados ainda estavam dentro, sentados, fiquei com raiva e gritei:

— Que espécie de escolta é essa?! Desçam daí e fiquem atentos!

Vi que eles pularam do carro e cada um procurou se posicionar, um no muro, outro no poste e assim por diante.

Sentei dona Marta em um tijolo que encontrei e comentei:

— Seu vestido já está sujo mesmo, um pouco mais não vai fazer diferença…

Ela deu um sorrisinho e notei que estava melhorando até que ela comentou:

— Não pareço nada com a gorda e brava mulher da charge, não é mesmo

Fiquei eufórico, não só pela recuperação dela, mas principalmente pelo seu modo de falar, que, mesmo naquela situação ela conseguia manter a postura e a elegância. Eu pedi desculpas pelos rapazes do quartel, dizendo que eram garotos ainda e coisas do gênero, mas ela disse que até tinha gostado e se divertiu bastante quando mostrou a charge para as amigas.

Estávamos conversando quando um carro se aproximava lentamente, instintivamente peguei minha arma enquanto gritava:

— Atenção com aquele carro!

Instantaneamente os quatro soltados cercaram o carro com os fuzis prontos para disparar, enquanto eu puxava dona Marta para trás do TL, ela escorregou e esfolou o joelho.

Não era nada, apenas um carro com problemas mecânicos, olhei para ela e falei:

— Dona Marta, mil desculpas, o dia de hoje está me deixando estressado.

Ela sorriu para mim e respondeu:

— Você não tem que se desculpar, está cumprindo seu dever.

Bem, ela já estava recuperada, levei-a a casa de sua mãe e ao me despedir ela falou:

— Obrigada! Vá com Deus, saiba que jamais me esquecerei de você.

VII – O Sepultamento do Imperador

Saí de lá mais “cheio” que um balão. Dei ordens aos rapazes para seguirmos para o Museu e quando lá cheguei fui procurar o tal Coronel Ferreira e alguém me indicou um senhor aparentando mais de 50 anos, com uniforme de campanha (farda comum, capacete, armas etc), cheguei perto dele e me apresentei:

— Soldado Men se apresentando.

Ele olhou para mim com um sorriso e falou:

— Ah! Você é o tal? Passou por maus “bocados” hoje, hein? Ser soldado não é nada fácil, hein? Mas que é emocionante, isto é. Aguarde um pouco que vou mandar chamar o Tenente Amador.

Dom PedroEnquanto aguardava fiquei pensando: “Só me faltava ele vir com outra missão.” Mas não tinha não, logo que ele chegou disse que tinha conversado com a esposa por telefone e que já estava a par dos últimos acontecimentos, que eu estava dispensado, que deveria apenas levar o carro e a arma até a “garagem” e entregá-los ao tal Argemiro, que não deveria ir ao quartel porque não queria que me vissem por lá hoje, que no dia seguinte deveria me apresentar ao Sargento Souza e participar do desfile e acrescentou:

— Se quiser, fique e assista a cerimônia de “sepultamento”, o Coronel Ferreira providenciará alimentação e o que mais precisar e, mais uma coisa, lembra da caixa que você colocou no porta-malas do Opala? Salvou minha vida, ela estava bem atrás de mim e encontramos dois projéteis na estátua de bronze. Se ela não estivesse lá, os tiros teriam atravessado o banco e me atingido.

A minha curiosidade era grande e não aguentando mais perguntei:

— O que aconteceu com os “terroristas”?

Ele respondeu:

— É melhor você não saber, esse assunto fede mais que carniça e você tem suas ordens, esqueça tudo isso. – E foi embora.

Assim que o Comandante saiu, o Coronel Ferreira comentou:

— É sempre assim, nós – enfatizou bem o “nós” – soldados nunca sabemos de nada, só que na hora “H”, nós é que temos que atirar, ou pior, levar tiro, mas venha, vamos comer alguma coisa que estou com fome.

Resolvi ficar e, como podem ver, cumpri a ordem e guardei comigo esse segredo por 37 anos, mas esquecer foi impossível. Bem, sobrou algo de bom, mesmo que indiretamente e, aos “trancos e barrancos”, participei desse importante evento da história do Brasil, ou seja, a cerimônia de sepultamento definitivo dos “Ossos do Imperador”.

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Os Ossos do Imperador:

Relatado por Darci Men e baseado em fatos reais. Alguns nomes foram alterados para preservar suas identidades.

Fim.

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