Antes do fim – Naquela manhã

 

Naquela manhã, enquanto lavava meu rosto, cruzei com meu próprio olhar no espelho manchado, e a imagem de uma eu mais velha me encarava, ela/eu tinha rugas no rosto, e parecia triste ou séria demais. O local onde eu me via, parecia uma cidade em ruínas, uma cidade como as de hoje, mas as ruínas me davam a impressão de serem muito antigas, como se o lugar tivesse passado por uma guerra devastadora, e depois ficado abandonado por anos.

"E a imagem de uma eu mais velha me encarava"

— Ô meu, vai demorá muito? – gritou minha irmã Ida do lado de fora do banheiro, desmanchando a imagem que eu vira, mas me lembraria ainda por um tempo.

— Já vou, já vou.

Saí do banheiro sem enrolar muito, fui para o quarto, coloquei a calça jeans que encontrei primeiro, tênis, camiseta e uma blusa, peguei a mochila e saí passando pelo corredor onde pude ouvir o chuveiro sendo ligado pela Ida, gritei um tchau que ela respondeu, desci as escadas, abri a porta da sala, depois a da garagem e saí.

Era uma linda manhã invernal de sábado, o sol irradiava pleno, mas não o suficiente para aquecer, pois o vento era gelado, e fazia frio, muito frio mesmo. Notei e achei engraçada a fumaça que saía da boca das poucas pessoas que encontrei, e da minha, é claro.

Não fui até o ponto de ônibus como se esperaria, mas desviei por uma rua duas quadras antes e me preparei (colocando os fones de ouvido do meu Ipobre) para o trajeto de cerca de uma hora e meia de caminhada até o centro da cidade.

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This Night Has Opened My Eyes – The Smiths

“In a river the color of lead
Immerse the baby’s head
Wrap her up in the News Of The World
Dump her on a doorstep, girl
This night has opened my eyes
And I will never sleep again
You kicked and cried like a bullied child
A grown man of twenty-five
Oh, he said he’d cure your ills
But he didn’t and he never will
Oh, save your life
Because you’ve only got one
The dream has gone
But the baby is real
Oh, you did a good thing
She could have been a poet
Or, she could have been a fool
Oh, you did a bad thing
And I’m not happy
And I’m not sad
A shoeless child on a swing
Reminds you of your own again
She took away your troubles
Oh, but then again
She left pain
So, please save your life
Because you’ve only got one
The dream has gone
But the baby is real
Oh, you did a good thing
She could have been a poet
Or, she could have been a fool
Oh, you did a bad thing
And I’m not happy
And I’m not sad
Oh …
And I’m not happy
And I’m not sad
Oh …
And I’m not happy

And I’m not sad ”

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Cara que ressaca, não me admira ter essas alucinações pela manhã. Cabeça doendo, sentidos estranhos, gostos já familiares, mas nem por isso agradáveis. E as imagens da noite começam a ressurgir, lembro do que fizemos, tenho que me apoiar em um poste, transpirando, pernas trêmulas, sinto vontade de vomitar, meu corpo tenta por vezes pôr pra fora algo que sequer está lá.

Não posso me deixar abater repito pra mim mesma, respiro fundo, e continuo a andar.

Minha cidade tem algumas planícies, mas a maior parte dela é de altos e baixos, algumas subidas são realmente cansativas, acho que nunca demorei tanto pra fazer esse caminho, e o trânsito a essa hora do sábado já está barulhento, ônibus e caminhões despejando fumaças. E dizem que os cigarros que causam câncer. Cachorros não fumam, e vi uma veterinária na TV dizendo que os casos de câncer entre os cachorros aumentou uns 300% na última década. Ela disse que é claro que as técnicas de diagnóstico melhoraram, que hoje em dia os animais são mais bem tratados e tals, mas ela atribui a esses fatores apenas 50% do aumento. A outra parte é poluição, shampoos, comidas industrializadas e radiação dos aparelhos eletrônicos.

Ah sei lá se é isso mesmo, nem tenho cachorro, então porque me preocupar?

Continua…

1 comentário em “Antes do fim – Naquela manhã”

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